Colunas

Um rio de dinheiro?

O país recebeu US$ 1, 2 bilhão do Banco Mundial. O contrato exige ajustes estruturais na sua política ambiental. A história recente ensina que nada vai mudar.

1 de setembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

A notícia veio primeiro pela CNN: O Banco Mundial outorgou o maior empréstimo da sua história para o meio ambiente e o beneficiário é o Brasil. A emissora repetiu durante todo o dia a história que o país receberia US$1,2 bilhões para salvar as suas florestas, aprimorar o licenciamento ambiental, melhorar a transparência e a participação, cuidar dos seus recursos hídricos. Ainda que inesperada, era excelente notícia, mesmo para uma nação que há dois anos paralisou praticamente todos os projetos ambientais com financiamento internacional, embora continue pagando por eles juros e comissões de serviço, exatamente por falta de recursos de contrapartida da União.

Na verdade, a notícia não era exatamente o que parecia. Se alguém, preocupado com difícil situação do ambiente e dos recursos naturais, acreditou que um rio de dinheiro iria a aliviar essa sede, está muito equivocado. O dinheiro até vem. Será desembolsado em três etapas. Mas, substancialmente, não é para o meio ambiente. Servirá apenas para apoiar “as necessidades de financiamento externo do país”.Traduzindo, isso significa que o rio de dinheiro possivelmente nem molhe terras brasileiras, exceto talvez um pequeno torrão, sob a forma de assistência técnica.

O Governo Federal, em troca do dinheiro, se compromete a cumprir uma série de medidas que, sem dúvida, são urgentemente necessárias e que estão agrupadas sob dois temas. O primeiro diz respeito à eficiência e efetividade do sistema nacional do meio ambiente, com a melhora da gestão ambiental, do monitoramento e da regulação. Significa, especificamente, que o governo se obriga a aumentar a transparência, o controle social e a efetividade do Sistema Nacional do Meio Ambiente, promovendo o desenvolvimento sustentável na Amazônia, a proteção de outros ecossistemas importantes e a melhoria na gestão dos recursos hídricos. O segundo tem a ver com o comprometimento de incorporar o conceito de sustentabilidade ambiental em setores chaves e nas políticas governamentais.

Não tem cabimento duvidar, nem por um instante, da necessidade, urgência e importância da proposta para que o país melhore seu desempenho na área do meio ambiente e dos recursos naturais. Excelentes estudos nacionais e do Banco Mundial respaldam a idéia. Ainda assim, cabe uma dúvida e também uma pergunta. A dúvida é se o governo federal cumprirá sua parte, considerando a experiência e os fatos. Projetos na área ambiental, de centenas de milhões de dólares financiados pelo próprio Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, têm sido executados com grande lentidão e estão, atualmente, quase congelados, porque o governo não outorga prioridade ao tema.

O Ministério do Meio Ambiente dispõe de um orçamento esquálido e não consegue cumprir nem os compromissos assumidos pela União com relação a temas tão importantes como o Pantanal, a Amazônia, o ecoturismo e o licenciamento ambiental. Ou seja, os mesmos assuntos que agora se pretende abordar, sob o ponto de vista de um ajuste estrutural… desses que as esquerdas abominam. Na verdade, parece pouco provável que os US$303 milhões de dólares da primeira etapa deste empréstimo convençam o governo federal a dar alguma prioridade ou atenção ao tema ambiental que o bilhão de dólares já disponível através de empréstimos e doações concedidos ao país, e que não estão sendo utilizados, não conseguiu convencer.

A pergunta é para saber se, na matriz de política do projeto, foram incluídas as condições que dizem respeito ao cumprimento das obrigações contratuais do Brasil em projetos ambientais “em execução”, atualmente paralizados por falta de recursos de contrapartida, precisamente nos ecossistemas considerados prioritários pelo ajuste estrutural que é condição do novo empréstimo. Seria lamentável que o “ajuste”, que não proporciona recursos novos para o meio ambiente, nem sequer exigisse que os projetos “em execução” fossem executados.

E essa exigência não deveria se limitar à carteira do Banco Mundial. Deve incluir, também a carteira ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e a dos bancos bilaterais e outras fontes de cooperação. Em outras palavras, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente deveria crescer muito em 2005. Mas, esse não parece ser o caso.

Este tipo de operação de empréstimo, que o Banco Mundial já está testando no México e que está preparando para a Colômbia, é um pouco “pagar para ver”. As propostas de reforma incluídas no projeto são de enorme importância e se fossem cumpridas, poderiam ter muito mais valor para o Brasil que os projetos de investimentos específicos convencionais. O custo seria baixo para resultados potencialmente tão importantes. Mas é difícil de acreditar que a atitude do Governo Federal vai mudar tão facilmente em relação ao meio ambiente.

Por isso, é fundamental que a sociedade civil esteja muito vigilante para que as medidas previstas neste projeto sejam realmente cumpridas e, para conseguir isso, a sociedade também deverá apoiar o Ministério do Meio Ambiente na obtenção de recursos tangíveis, mais expressivos. Sem esse ingrediente é pouco provável que resulte algum benefício ambiental deste projeto, à parte da propaganda positiva, embora enganosa, na CNN e em outros meios de difusão e da ilusão de que algo grande vai acontecer em favor do meio ambiente no Brasil. Pior ainda, a próxima vez que se apresente ao setor econômico nacional um projeto ambiental, a resposta será… Para que?

Leia também

Notícias
19 de abril de 2024

Em reabertura de conselho indigenista, Lula assina homologação de duas terras indígenas

Foram oficializadas as TIs Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT); representantes indígenas criticam falta de outras 4 terras prontas para homologação, e Lula prega cautela

Notícias
19 de abril de 2024

Levantamento revela que anta não está extinta na Caatinga

Espécie não era avistada no bioma havia pelo menos 30 anos. Descoberta vai subsidiar mudanças na avaliação do status de conservação do animal

Salada Verde
19 de abril de 2024

Lagoa Misteriosa vira RPPN em Mato Grosso do Sul

ICMBio oficializou a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural Lagoa Misteriosa, destino turístico em Jardim, Mato Grosso do Sul

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.