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O Solar Impulse, a mandioca e a economia do atraso

Enquanto um avião solar dá a volta ao mundo, o atual regime lança metas climáticas inócuas e suspende a proibição de pesca de espécies ameaçadas.

7 de julho de 2015 · 9 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

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Para quem se interessa por tecnologia, modernidade, Economia e o futuro do planeta, um evento histórico está se desenrolando nos céus. É o vôo do Solar Impulse, o primeiro avião inteiramente movido a energia solar a dar a volta ao mundo, e que está sendo acompanhando ao vivo por milhões de pessoas entusiasmadas no website do centro de comando da missão.

Esse vôo sensacional está rompendo barreiras para a tecnologia fotovoltaica e adiantando a chegada do futuro em que seremos majoritariamente movidos não por combustíveis fósseis, poluentes e dominados por corporações sujas e corruptas do petróleo e carvão, através de “empresas de energia” estatais ou donas de relações incestuosas com Estados cleptocratas, mas sim por energia gerada de maneira não-poluente, eficiente e descentralizada. Por isso mesmo, a atenção para o projeto dada por líderes mundiais visionários, como o príncipe Albert de Mônaco, cuja Fundação é uma de suas instituições apoiadoras, e pelas mais importantes empresas de tecnologia do planeta. Ele prova, entre outras coisas, o aumento exponencial da eficiência dos painéis solares e a multiplicidade de suas aplicações.

Somada à energia eólica, a fotovoltaica teria imenso potencial benéfico em um país de dimensões exageradas como o Brasil. Eliminaria o pornográfico desperdício da energia gerada, que ocorre quando ela tem de ser transportada a grandes distâncias, como no caso das criminosas mega-hidrelétricas ineficientes da Amazônia. Agregaria estabilidade ao sistema nacional integrado, justamente pela disseminação dos pontos geradores, que podem ser desde usinas de geração regional a qualquer telhado de casa do país. Eliminaria a dependência dos esquemas faraônicos de construção de centrais de geração, uma das maiores fontes de superfaturamento e corrupção. E, claro, reduziria imensamente as emissões de carbono, a perda da biodiversidade e a contaminação ambiental. As energias limpas aliam autossuficiência, gestão democrática da energia e economia limpa – três razões para que o atual regime de Lula Roussef as odeie de morte, vendido que está aos lobbies do atraso, e não apenas neste setor.

É, de fato, a intervenção perniciosa do Estado, e não, como alegam os ingênuos do ambientalismo tupiniquim, o “capitalismo” o grande culpado do descalabro ambiental no Brasil. Fora este um país em que se praticasse o livre mercado, a precificação honesta da energia e dos bens ambientais, as transações livres na sociedade sem a intervenção do dinheiro público extorquido aos cidadãos para mau uso de grupelhos, as energias limpas já estariam avançando velozmente na matriz energética nacional, e não apenas cumprindo agenda de press-releases de fachada com dígitos modestos no cômputo da geração nacional.

Mandioca

“o foco na “importância da mandioca” sintetiza a simploriedade perniciosa com que os grandes temas nacionais são tratados, eliminando qualquer esperança de uma gestão ambientalmente esclarecida.”

Na semana em que o Solar Impulse começava a romper todos os recordes do vôo histórico ainda em curso, a encarregada da Presidência do Brasil acrescentava a sua longa lista de despautérios verbais um discurso saudando a mandioca que representa, da maneira mais didática imaginável, a profunda pobreza intelectual e estreiteza de visão que caracterizam o atual regime, dominado por personagens não apenas sombrios no quesito probidade, mas ainda e principalmente desprovidos de qualquer noção sobre o que se passa no mundo extra-repúblicas bananeiras que resumem seu círculo político e cultural. O foco na “importância da mandioca” neste alvorecer de um século XXI tecnológico, complexo e diverso, sintetiza a simploriedade perniciosa com que os grandes temas nacionais são tratados, eliminando qualquer esperança de uma gestão ambientalmente esclarecida.

Senão, vejamos. No segmento energético, o regime segue insistindo em soluções caríssimas e poluentes, que vão da contratação de novas centrais termelétricas ao desatino da continuidade do programa de hidrelétricas na Amazônia. No segmento de Turismo, recusa-se terminantemente a implantar com um mínimo de condições de visitação os parques nacionais e outras áreas protegidas, que no resto do mundo geram bilhões de dólares em empregos e renda sustentáveis, mas aqui são vistos como entrave. Na Economia como um todo, segue subsidiando uma pauta de exportações ancorada no extrativismo e não na tecnologia, voltada à monocultura monoespecífica predatória e degradadora – a soja – e em matérias-primas como minérios.

No que se refere aos valores sócio-econômicos da biodiversidade, nada mais emblemático do atraso e subserviência à mentalidade da mandioca do que a decisão vergonhosa do Ministério do Meio Ambiente de suspender a proteção contra a pesca de uma lista de espécies marinhas Ameaçadas e Criticamente Ameaçadas de extinção, explicitamente indicadas na decisão abjeta como “de interesse comercial”, ou seja, que a máfia da sobrepesca industrial que minera o mar brasileiro quer continuar massacrando até o último peixe para maximizar seus lucros espúrios de curto prazo. Também aqui essa máfia tem sua atividade predatória altamente subsidiada pelo Estado, na forma de diesel barato, financiamentos para construir barcos maiores e ainda mais predatórios, e, principalmente, na manipulação da gestão e da normatização do setor contra qualquer semblante de sustentabilidade. Isso num momento em que o mundo inteiro se mobiliza para acabar com os subsídios indecentes à pesca industrial e mesmo bastiões do capitalismo como o The Economist mobilizam lideranças políticas e empresariais globais para avançar no uso sustentável dos oceanos.

Todo esse retrocesso, todo esse absurdo de medidas de lesa-pátria e lesa-economia se desenrola sob um manto goebbeliano de propaganda mentirosa, que vai dos comunicados de imprensa falaciosos do Ministério do Meio Ambiente sobre “avanços” na gestão ambiental aos “compromissos” firmados pela gerente geral nos Estados Unidos sobre supostas ações do Brasil para mudanças climáticas até 2030. Ações que apesar de vergonhosamente modestas, e baseadas na ideologia de coitadinho socialista latino das “responsabilidades diferenciadas” no grande crime das emissões desnecessárias de carbono pelas economias ineficientes, qualquer criança de mediana inteligência sabe bem que este regime não tem nem a competência e muito menos a intenção para cumprir.

Assim como nada mais há a esperar deste regime nos planos econômico e de probidade administrativa, também não o há na área ambiental. A quem se importa com o Brasil e o planeta, seja com sua inestimável biodiversidade sendo devastada por ignorância gerencial e imediatismo, seja com sua economia que poderia estar se tornando sustentável e se beneficiando dos avanços do século XXI representados pelo histórico vôo do Solar Impulse ao invés de estar sendo atirada de volta ao século XVIII, resta aguardar que não seja tarde demais quando, finalmente, a turma que prefere saudar a mandioca a apreciar os painéis fotovoltaicos deixar a gestão desse país.

 

 

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