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Consumismo, ambientalismo e a eleição

Falaram as urnas, e disseram: somos um país majoritariamente de consumidores e indigentes. Pouco nos importa a devastação ambiental.

11 de novembro de 2010 · 13 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

 O dia seguinte dessas eleições de efeito mortal para a Natureza brasileira amanheceu bonito em Porto Alegre. Minha caminhada matinal em meio às árvores e pássaros do parque aqui perto de casa nada mudou; só a certeza de que, de novo, teremos de suar sangue para que árvores e pássaros ainda existam no Brasil de nossos filhos, dada a sanha declarada dos que seguem atracados nas estruturas oficiais e as usam para delinqüir contra a gestão ambiental esclarecida.

Falaram as urnas, e disseram: somos um país majoritariamente de consumidores e indigentes, não de cidadãos. Pouco nos importa a corrupção, a devastação ambiental, a tomada de assalto do Estado por ‘quadros’ partidários que empurram para longe as carreiras profissionais dos funcionários públicos e se adonam das repartições para negociatas. Queremos é consumir e receber esmolas oficiais ad eternum. E dane-se o meio ambiente.

“Com ou sem Dilma, lá fora há parques nacionais e reservas, florestas e aves, corais e baleias que não têm culpa do analfabetismo ambiental dos eleitores brasileiros.”

A estratégia do Gênio de Garanhuns e sua Candidata Plástica – baseada no produtivismo soviético que se lixa para os custos ambientais e sociais a longo prazo – calou fundo naquilo que os brasileiros iletrados como ele tem de pior: as necessidades básicas de sobrevivência, para uns, e a irracionalidade consumista que uma sobrinha de dinheiro no fim do mês traz, para outros. Entre dar esmola com o fruto do trabalho alheio, extorquido na forma de impostos escorchantes, num sistema que mantém os miseráveis incapazes de progredir por conta própria e reféns eternos da máfia mandante no Estado, e convencer os quase-classe-médios que a felicidade é uma “casa própria” de baixíssima qualidade superfaturada e uma TV de plasma para dar inveja no vizinho, ou um carro “popular” para atolar o trânsito das cidades, achou-se a fórmula perfeita para encantar nossos grotões mentais e assegurar a continuidade de um projeto de poder partidário que não dá a mínima para o futuro do Brasil. Além do que já dizem, na luz do pós-eleição, os balanços reais do Tesouro exaurido pelas benesses eleitoreiras, teremos ainda a pagar a conta de desperdiçar de maneira escabrosa os nossos recursos naturais, com a carta branca aos latifundiários e MST juntos para delinqüir contra as florestas, aos empresários para aguardar o licenciamento fajuto e automático de seus mega-empreendimentos impactantes, e como chave de ouro a garantia, dada de maneira boçal pelo Presidente da PETROBRAS (e um dos principais apoiadores da nova Impetariz do Combustível Fóssil) no lançamento recente de patrocínios a projetos ambientais (uma miséria de investimento frente ao orçamento da empresa), de que continuará sendo privilegiada uma matriz energética caríssima, antiquada e monstruosamente poluidora e destruidora da biodiversidade, na forma de queima de petróleo e carvão e mega-hidrelétricas que são o carnaval das empreiteiras financiadoras de campanhas.

Que o plano dessa quadrilha política é esse, nunca houve dúvida; mas que seu sucesso tenha sido assegurado pela omissão de quem sabia muito bem que tudo isso está errado e nos conduzirá a um desastre nacional, é simplesmente estarrecedor. Marina Silva e os caciques do PV, que poderiam ter pactuado com o que restava de oposição uma nova forma de gerir o Brasil rumo à sustentabilidade se omitiram, e condenaram o país a mais quatro anos de devastação no atacado, em nome de um projeto político incerto. O discurso do resto da “oposição”, aliás, não saiu do convencional na reta final da eleição, por medo de desagradar aos mesmos coroné e empreiteiros que bancam as campanhas políticas de PT e PSDB com a mesma esperança de destruir a gestão ambiental brasileira seja quem for o des-governante.

Este é o belíssimo quadro que temos pela frente no Terceiro Reinado da ignorância truculenta, explicitamente anti-ambiental, da nomenklatura petista e seus “aliados”. Mais do que uma constatação nefanda, entretanto, é um convite a resistir. Com ou sem Dilma, lá fora há parques nacionais e reservas, florestas e aves, corais e baleias que não têm culpa do analfabetismo ambiental dos eleitores brasileiros. Salvá-los do que vem por aí é mais do que motivação suficiente para não desanimarmos e, principalmente, não nos calarmos.

Enquanto escrevo, nossa diplomacia servil acaba de assegurar novos vexames na Convenção da Biodiversidade, na Convenção para a Conservação (?) do Atum Atlântico e vem por aí outro nas discussões sobre mudanças climáticas, considerando medidas essenciais de conservação da Natureza, a mando dos trogloditas do Planalto, como “barreiras não-tarifárias” que nossas representações tentam a todo custo impedir que sejam efetivadas. A má gestão da Natureza no Brasil não é problema só nosso, mas repercute violentamente contra a conservação do planeta como um todo. Parar as sandices dessa gente é, portanto, obrigação para com o planeta.

E Marina que venha em 2014, mas que ponha a mão na consciência antes disso e passe a denunciar com a veemência que lhe faltou este ano na campanha as bandalheiras e os crimes ambientais do “pudê” que, mais do que corromper, parece que cala os que almejam chegar lá.

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