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Direito Ambiental perdeu o professor José Eduardo Ramos Rodrigues

Comandante Zé foi um guerreiro na defesa do patrimônio natural e cultural brasileiro. Seu trabalho é fonte inesgotável de inspiração.

10 de fevereiro de 2014 · 10 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Graduado em Direito e em Letras pela USP. Doutor e Mestre em Direito (USP). Escritor.

Acima, o mestre José Eduardo Ramos Rodrigues. Foto: Divulgação.
Acima, o mestre José Eduardo Ramos Rodrigues. Foto: Divulgação.

Há pouco mais de um mês, o Direito Ambiental Brasileiro perdeu o jurista José Eduardo Ramos Rodrigues, autor, dentre outros, do clássico “Sistema Nacional de Unidades de Conservação” (RT, 2005) e de “Estudos de Direito do Patrimônio Cultural” (Fórum, 2012), este em parceria com o Promotor de Justiça/MG Marcos Paulo de Souza Miranda.

Conheci-o em 1978, quando ele ingressou na Faculdade de Direito da USP, e logo nos tornamos amigos, divertindo-nos com o jornalzinho humorístico “Ponto Marginal”. Desde então, não houve solução de continuidade em nossa amizade. Detentor uma cultura enciclopédica, o Zé (era como o chamávamos) não entendia apenas de Direito Ambiental. Assíduo frequentador da Sala São Paulo, na Música, um dia me ensinou que “La Folia”, popularizado no filme Barry Lindon, era tema conhecidíssimo no Século XVIII, utilizado por outros músicos além de Haendel. Dias mais tarde, ele me presenteava com um CD contendo as “Variações sobre o tema de La Folia”, de Archangelo Corelli. Numa viagem para São Luís do Paraitinga, antes da inundação que destruiu grande parte do seu patrimônio, Zé foi o “guia turístico” de um grupo de amigos ligados ao Magistério do Direito Ambiental, discorrendo com profundidade sobre as características arquitetônicas daquela cidadezinha do Vale do Paraíba. Conhecia também como ninguém a história do patrimônio ferroviário brasileiro.

Em 1994, convidei-o para palestrar sobre Meio Ambiente Cultural no Grupo de Estudos sobre Interesses Difusos, no Centro de Estudos da PGE/SP. Sua palestra foi um dos fatos históricos que motivou a fundação do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP). Participou de quase todos os congressos do IBAP, desde o de Campos do Jordão, no ano de 1997, ocasião em que palestrou sobre o tema “Direito Ambiental e Advocacia Pública”. No ano seguinte, em São Lourenço (MG), brilhou novamente, expondo sobre o tema “O Papel da Administração Pública na Promoção dos Direitos Humanos e do Direito Ambiental”.

Nessa época, estávamos juntos na Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP e escrevemos em parceria diversos artigos jurídicos, dentre os quais recordo com carinho o texto “Parque Nacional do Iguaçu em perigo: O episódio da Estrada do Colono” (Revista de Direito Ambiental, vol. 11, 1998 – Editora RT). Como eu, ele mostrava-se inconformado com as constantes ameaças de reabertura daquela estrada, por todo o perigo ecológico que causaria àquele patrimônio natural da humanidade.

As novas investidas contra o Parque do Iguaçu, publicadas em ((o))eco, com toda certeza seriam objeto de vigorosa e consistente crítica por parte desse grande jurista. Neste momento, em respeito à sua memória, o mínimo que podemos fazer é denunciar a farsa política que está por detrás da associação que o Deputado Assis do Couto quer fazer entre crimes da ditadura militar e reabertura da Estrada do Colono.

Obras

Em junho de 2003, Zé participava da fundação da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab), em São Paulo, juntamente com Antonio Herman Benjamin, Cristiane Derani, Érika Bechara, Fernando Walcacer, Marcelo Dantas, Márcia Carneiro Leão, Márcia Leuzinger, Paulo Affonso Leme Machado e Solange Teles da Silva, tendo sido sempre um dos maiores entusiastas da nova entidade.

Em 2008, tive o privilégio de ser indicado para, ao lado de Sueli Dallari e Vladimir Passos de Freitas, participar de sua banca de doutoramento, na Faculdade de Saúde Pública da USP. Como era de se esperar, Zé obteve a nota máxima com a tese “Parque urbano: aplicação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) ao meio ambiente urbano”, orientada por Arlindo Philippi Jr. e Celso Campilongo Em novembro de 2013, Zé estava em Águas de Lindóia (SP), no 17º Congresso do IBAP, em mais um evento importante para o Direito Ambiental, a fundação oficial da Academia Latinoamericana de Direito Ambiental, quando fez a sua derradeira e inesquecível apresentação acadêmica, sobre o tema “Registro do patrimônio cultural imaterial”.

O IBAP deixou em sua página uma última homenagem ao seu sócio fundador e diretor, redigida pelo amigo comum José Nuzzi Neto, que
merece transcrição:

“Seus alunos dirão que foi mestre como poucos. Erudição evidente, com lastro em pesquisa constante e rigorosa. Mas erudição que não se fechava em si, aberta para o mundo; passado e presente para perscrutar o futuro. Histórias saborosas, estímulo à pesquisa e ao estudo. Os que com eles conviveram nas muitas associações – IBAP, APRODAB, Instituto o Direito por um Planeta Verde, International Council on Monuments and Sites – sempre encontraram, nele, interlocutor atento e generoso na partilha de seus conhecimentos. Quem com ele partilhou o espaço profissional terá sempre a lembrança da presença competente e dedicada. A todos os que se interessam por questões ambientais e culturais seus trabalhos escritos constituem, agora, e constituirão sempre fontes inesgotáveis de referências e reflexões. Professor, palestrante, advogado, servidor público, autor – essas as personae de Zé Eduardo. Mas, quem era Zé? Amigo de seus amigos, amigo da humanidade, cidadão íntegro. Um ser humano, magnífico e frágil”.

José Eduardo Ramos Rodrigues morreu no dia 27 de dezembro, em sua mesa de trabalho, no Departamento Jurídico da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, vítima de ataque cardíaco.

 

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