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Aldo Rebelo: o tempero que faltava

A entrada de um deputado comunista na bancada ruralista deu novo fôlego às mudanças no Código Florestal. Dessa vez parece que eles vão conseguir

25 de abril de 2011 · 13 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Graduado em Direito e em Letras pela USP. Doutor e Mestre em Direito (USP). Escritor.

Os jornais desta semana anunciam, finalmente, o acordo selado entre o Governo Federal e os ruralistas. Tudo graças ao empenho de Aldo Rebelo que, neste episódio, tem o apoio de Caiado, Micheletto, Kátia Abreu e da UDR. Para o eleitor progressista que não milita na área ambiental, opor-se a este parlamentar pode soar como um ataque ao ideário do PC do B. Quem admira a trajetória deste líder político não perderá de vista que falamos de um deputado federal atuante, representante de um partido coerente e dos menos atingidos por denúncias de corrupção. Esta imagem impoluta faz com que muitos, mesmo que concordem com as críticas ao projeto, se esquivem do debate. Insultar um político não aumenta a popularidade de uma causa que parece estar sendo defendida apenas por ONGs, Ministério Público ou IBAMA. Chapa branca e interesses alienígenas em oposição aos 25 mil agricultores que há alguns dias visitaram Brasília em dispendiosa comitiva. Onde estão os tais moradores de encostas e fundos de vale que serão atingidos pelo projeto acordado? E essas tais de fauna e flora, que impedem camponeses de trabalharem pelo país sem a ameaça da legislação ambiental?

Voltemos no tempo. Em 1996, o desmatamento da Amazônia foi amplamente noticiado pela imprensa internacional, levando o então Presidente FHC a editar a Medida Provisória 1.511, alterando o Código Florestal e ampliando o percentual de reserva legal naquele bioma. A inércia do Congresso Nacional resultou em sucessivas reedições da MP. Em novembro de 1997, porém, essa MP sofreu mutações totalmente contrárias às razões que levaram à sua edição, desagradando os ambientalistas.

O retrocesso atingiria seu ápice em dezembro de 1999. Nesse momento, o Deputado Moacir Micheletto pretendeu levar ao Congresso Nacional o projeto de lei de conversão da (agora) MP 1.736 (em sua 39ª edição), introduzindo, dentre outras alterações no Código, a perda do caráter obrigatório dos índices de proteção, a revogação da proibição de corte raso de 80% das áreas de florestas situadas na Amazônia Legal, a destinação exclusiva de solos imprestáveis para esta reserva legal e a possibilidade de sua recomposição com espécies exóticas, além da anistia aos proprietários em mora com tal recomposição. Contudo, uma grande mobilização da sociedade civil contra o texto da bancada ruralista pretendia votar surpreendeu Micheletto e seus aliados, que costuravam um acordo com o Planalto, condicionando o apoio ao projeto governista de aumento do salário-mínimo à aprovação deste projeto.

A tática mostrou-se desastrosa: pela primeira vez o Código Florestal era assunto de primeira página nos jornais de todo o país. A vitória nesta batalha, porém, fez com que muitos se esquecessem desta evidência: não era o país que subitamente adquirira uma profunda consciência ecológica. O ultraje foi a barganha: um pífio aumento do salário-mínimo e em troca, desmatamento na Amazônia.

Ambientalistas ganharam inusitada força política no interior do governo e conduziram pelo CONAMA, sob as bênçãos de Sarney Filho, 27 audiências públicas pelo país. Daí resultou o texto da Medida Provisória 1956-48, uma reforma do Código Florestal muito bem recebida por segmentos do movimento ambientalista. Havia pecados veniais, com certeza, como a abertura da perspectiva de supressão da vegetação de APPs em área urbana. Mas também havia um pecado capital: o desvirtuamento constitucional do uso de um mecanismo excepcional – a medida provisória.

O que mais incomodou o agronegócio, obviamente, não foi este detalhe constitucional (de resto, medidas provisórias sempre lhes foram úteis), mas o fato de ter restado clara a distinção entre reserva legal e área de preservação permanente. A ideia de revogação do Código de 1965 havia sido estigmatizada como plataforma de uma direita reacionária, a mesma direita que sempre impediu a edição de lei cominando com pena de expropriação sem indenização de fazendas onde fosse flagrado trabalho escravo. Politicamente, restava procurarem novos parceiros no Congresso. Com a eleição de Lula e a nova composição do Congresso Nacional, a solução para esse impasse era trazer os aliados do PT para o seu lado.

Os ambientalistas, tendo uma sucessora da linha de pensamento de Chico Mendes à testa do Ministério do Meio Ambiente, estavam no controle da situação, ao menos dentro dos setores do Executivo Federal que interessavam. Já no Legislativo, sem uma liderança com o carisma de Fábio Feldman (que, de resto, nunca se alinhou ao pensamento petista), restava pouco para se trabalhar. Ivan Valente era um aliado importante e lutava com bravura, mas o PSOL não agregava parlamentares na luta em defesa da aprovação da MP congelada, a “MP do bem”.

Do outro lado, já no final de 2003, surgia uma voz dissonante no discurso da esquerda: Aldo Rebelo apresenta a defesa de Projeto de Lei do Executivo reformulando a legislação sobre biossegurança. Em artigo intitulado “OGMs e a síndrome do colonizado” (Folha de S.Paulo de 8/1/2004), Rebelo sai com a tese de que as contestações na Justiça contra a decisão de liberar a produção de soja transgênica fariam parte, talvez, de um complô internacional. Afinal, uma das autoras dessas contestações era uma ONG estrangeira… Impedir a liberação de transgênicos na agricultura, exigir estudo de impacto ambiental, em suas palavras, era uma “certa paralisia mental, recorrente em nossa história. De tempos em tempos, acomete-nos a síndrome do colonizado, a letargia do dominado”. Era preciso passar por cima do princípio da precaução, já que não há como provar que transgênicos “não têm, em nenhuma circunstância, efeito sobre o homem, os animais, as plantas e o meio ambiente. Ora, até hoje não se encontrou nenhum cultivo, alimento ou remédio que preenchesse esse requisito”. Assim, sempre em suas palavras, se aplicado fosse tal princípio, “um belo dia acordaríamos para descobrir que havíamos perdido o bonde da história. Perceberíamos que tínhamos entregado a empresas multinacionais e a outros países nosso destino em biotecnologia e nossa soberania agrícola e alimentar”.

Estava aberta a porta para os ruralistas conquistarem o Congresso Nacional. Agora os ruralistas contavam com um notável líder comunista para extirpar de nossa memória todas as referências conexas à campanha pela revogação do Código Florestal: um patriota comunista. E este é o quadro político que se apresenta neste momento no país. A aliança costurada no último dia 14 de abril, desobrigando a averbação da reserva legal e, por conseqüência, acabando com a possibilidade de se multar o infrator e abrindo a possibilidade de redução da faixa mínima de proteção nas margens de rios para 15 metros, é resultado direto da utilização inconstitucional de medidas provisórias. Politicamente, não está sendo aplaudida pelas famílias das vítimas dos desmoronamentos e inundações em encostas e vales desprovidos de vegetação, pelos consumidores de água envenenada pelo uso descontrolado de agrotóxicos, pelas famílias das vítimas de acidentes no campo que não receberam equipamentos de proteção individual de seus patrões, de pessoas reduzidas a condição análoga à de escravos em grandes fazendas.

Recusar a impunidade pelos incêndios em unidades de conservação causados por queimadas ilegais ou a redução do solo da Amazônia à condição de savana é uma causa dos brasileiros. O apoio de ONGs internacionais a essa causa não vicia a ética de quem luta pelo direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nessa luta também estão presentes, ativamente, agricultores familiares e produtores rurais que acreditam num modelo sustentável de produção. Aldo apenas ofereceu um anacrônico e inconsistente tempero nacionalista ao discurso ruralista, mas o divisor de águas é nítido.

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