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A culpa é dos ecologistas

Em nome do social e de antigos mitos, proliferam auto-declarados “ecologistas”. Deturpam de tal maneira a defesa pela conservação, que hoje são seus maiores destruidores.

16 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Vencedor nas eleições de 2006, mas ainda no palanque do qual parece ter problemas para descer e administrar o país, o moderno presidente que tem como modelo os anos 1950 atribuiu a entraves ambientais, índios e quilombolas parte da pasmaceira econômica em que vivemos. Afinal, nosso PIB cresceu 2,5% ao ano durante o primeiro governo cefalópodo, praticamente o mesmo que nosso crescimento demográfico oficial. Isso em um momento de euforia da economia mundial, que contrasta com os anos 1990.

Todos sabemos que a causa próxima de nosso crescimento nanico e desigual é o que já foi educadamente chamado de falta de habilidade administrativa, não em pequena parte resultante do hábito de distribuir cargos com base em filiações partidárias, e não na capacidade técnica. Isso se associa a problemas cristalinamente expostos em enquetes feitas tanto com empresários e economistas (como no último Fórum de Davos) como com a população em geral (como na pesquisa WWF/IBOPE) sobre as causas de nosso travamento: carga tributária absurda (38% do PIB e subindo), corrupção (a maior na América Latina) e burocracia. Quem já abriu uma empresa e tenta mantê-la aberta sabe do que falo. Também temos a questão de projetos que são imbecis pela própria natureza e que nem seriam cogitados em países mais civilizados, sendo travados de nascença.

Mas as razões últimas de nossa mediocridade têm conhecidas origens culturais. Max Weber e seguidores já discutiram como a herança ibérica católica nos tornou pouco afeitos ao trabalho (um castigo divino), conformados (“Deus quis”), eternamente presos ao messianismo do pai dos pobres do momento, bacharelistas que olham a forma mas não o conteúdo, e tribalistas para os quais o Iluminismo não chegou.

Temos aversão à responsabilidade individual (a culpa é sempre da “herança maldita” ou da “sociedade”). Atribuímos as mazelas da pobreza e má distribuição de renda à exploração das “elites”, preferindo ignorar que em 2005 mulheres com até três anos de estudo (e mais pobres) tinham em média de quatro filhos, enquanto as que estudaram por oito ou mais anos (e têm maior renda) tinham 1,5. Hipócritas, preferimos esmolas que multiplicam os miseráveis a gerar empregos. Classistas e adeptos dos privilégios acima da lei, somos avessos à meritocracia e preferimos criar cotas raciais a aprender por que os 2% de descendentes de orientais de São Paulo todos os anos conseguem 12-14% das vagas da Fuvest.

Não é surpresa que nosso presidente reeleito encarne vários destes valores e seja o avatar do inconsciente coletivo brasileiro. Pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) mostra a estreita associação entre os resultados eleitorais, o baixo IDH dos municípios e as aplicações do Bolsa Família, corroborando a velha estratégia de que, para se manter no poder, dar esmolas nos grotões é barato e funciona.

Com esse pano de fundo cultural não é difícil entender por que o Brasil é o eterno país do futuro. Nas eleições, sempre rejeitamos a conclusão de que precisamos deixar de ter 60% de analfabetos funcionais e passar pelo mesmo processo educacional que tornou a Irlanda, a Espanha e a Coréia das Alagoas da Europa e Ásia nações de primeiro mundo, nos livrando de nosso conformismo ignorante. Apenas tardiamente, e em parte do país, recebemos uma infusão cultural moderna, que ainda não permeou o resto da sociedade. Nosso problema é cultural, não estrutural.

Isto posto, o que eu gostaria de discutir é por que não só o molusco-em-chefe, mas também parcela do setor econômico, atribuem a pasmaceira econômica aos ecologistas, tão poderosos que conseguem segurar o Brasil-potência.

É revelador que Lula tenha colocado índios e quilombolas no mesmo saco que os entraves ambientais. Isso é sintoma de que, seja lá o que ambientalismo tenha se tornado, hoje inclui campos que pouco ou nada tem a ver com meio ambiente. O termo ecologista tem sido aplicado a grupos perfeitamente respeitáveis como defensores do vegetarianismo, filhos da terceira era, defensores de cães e gatos abandonados em praças e ripongas em geral. E a outros nem tanto, como um sem-número de “movimentos sociais”. O interessante é que se esquece de perguntar por que eles lutam para avaliar se tem algo a ver com meio ambiente ou se pertencem a outra praia.

Isso já era evidente no circo da Rio 92 e apenas se consolidou com o tempo. Colegas como Marc Dourojeanni já escreveram sobre o assunto aqui em O Eco, mas não custa reprisar o desvio que os termos “ecologia” e “meio ambiente”, e seus ismos associados, sofreram nas últimas décadas. Junto com “desenvolvimento sustentável”, hoje são shibboleths que perderam seu significado. Não é surpresa que a atividade que mais destrói florestas no Brasil orgulhosamente vende “boi verde” no mercado externo e posa de “ecológica” e “sustentável”. O agronegócio da cana e da soja, que transformaram e transformam a Mata Atlântica e o Cerrado em carbono que está na atmosfera, agora são “verdes” por produzirem “biocombustíveis”.

Ambientalistas reais sabem que só temos um planeta e abominam desperdícios como mais de 70 milhões de hectares desmatados na Amazônia, o índice absurdo de pastagens degradadas no país (> 60%) e rios como o Tietê e das Velhas usados como cloacas. Sabem que o Neolítico ficou lá para trás e acreditam que é possível sustentar uma economia e uma sociedade prósperas com o uso mais racional e eficiente da terra e dos recursos naturais, possível graças ao progresso científico.

Querem conservar o resultado de pelo menos 3,5 bilhões de anos de evolução, a beleza e as oportunidades associadas a este. Assumem que não temos direito de destruir este patrimônio ou negá-lo ao futuro por egoísmo ou oportunismos passageiros. Pode ser estranho falar de valores imateriais como beleza e ética em um país onde segmentos acham que prostituição infantil, trabalho escravo, pilhagem de patrimônio público e crimes “de honra” são o comportamento esperado de um bom cidadão, mas acho que podemos almejar sair da barbárie.

Ambientalistas reais estão interessados na conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais que são essenciais para a qualidade de vida de qualquer sociedade. Desertificação, inundações e pragas agrícolas não costumam olhar se quem manda foi eleito pelas urnas ou por golpe. Ambientalismo lida com questões acima de como decidimos oprimir uns aos outros. Em tempos de mudança climática, isso deveria ser evidente.

São as posições de parcela dos ecologistas que alimentam queixas como a do imortal José “Marimbondos de Fogo” Sarney, publicada na Folha de São Paulo do dia 19/01: “…recrudescem os movimentos que recusam a construção de hidrelétricas… A energia nuclear também não aceitamos…Mas, já que não queremos energia hidráulica, nem nuclear, e estamos de acordo sobre a recusa de ampliar o consumo de combustíveis fósseis, o Brasil deve ter uma outra fonte secreta de energia, de uma origem que ninguém sabe”. O tal “segredo” é conhecido, mas a queixa tem um ponto válido.

Todo (ou quase todo) o movimento ambientalista grita para os ouvidos surdos do governo que deveríamos investir na otimização do consumo, na repotencialização das hidrelétricas existentes, em projetos de energia solar as novas células solares já equiparam o custo do Kw ao das termoelétricas e eólica (ainda timidamente contemplados pelo Proinfra). Há quem lembre que poderíamos incentivar tecnologias que reduzam o consumo (como lâmpadas de led branco e novos materiais condutores) e novas formas de geração como turbinas eólicas urbanas, geração por ondas e turbinas submersas, além da batida biomassa. Onde está isso no PAC ?

Alguém poderia liberalizar o setor e estimulá-lo com bondades fiscais, atraindo investidores dispostos a correr riscos. Isso teria o potencial de revolucionar o mercado de energia. Enquanto isso, na tradição de seguir a boiada, vemos a aberração de termoelétricas a gás, óleo e carvão (!!!) pipocando pelo país e hidrelétricas amazônicas que não apenas alagarão vastas áreas de florestas e aniquilarão ecossistemas fluviais mas, como Tucuruí, Balbina e Três Marias, serão enormes fábricas de metano, agravando o efeito estufa. Hidreletricidade está longe de ser limpa, como querem alguns.

Assim consolidamos a opção de destruir mais áreas naturais, agravar um dos maiores problemas ambientais que enfrentamos e continuar dependendo das chuvas para gerar nossa energia, apesar dos cenários que mostram que aquelas serão cada vez menos confiáveis. Me parece uma aposta pouco prudente para quem olha além de uma década.

O interessante é ver alguns ecologistas fechando as portas para uma opção de geração de energia que é a mais eficiente em Kw / área impactada, tem tecnologia estabelecida e à mão, não gera emissões de carbono, pode ser custo-efetiva e para nós seria abundante. Estou falando da energia nuclear, talvez única coisa não atendida no PAC (pelo menos no lançamento) por pressão “verde”.

Parte dessa pressão vem de campanhas do tipo “não queremos outra Chernobyl”. Que são desonestas por ameaçar com um risco inexistente. Angra 3 não é o modelo mais moderno de reator (já temos a 3ª geração, mais custo-efetiva), mas um evento como Chernobyl é fisicamente impossível em um reator de seu tipo. Isso é privilégio de modelos privativos da ex-União Soviética, que não têm mecanismos de segurança (o que fala muito do antigo modelo da vanguarda política brasileira) e por isso foram desligados na ex-Alemanha Oriental.

Imagino também que alguns “ecologistas” devem ter ficado decepcionados pelo impacto ambiental negativo de Chernobyl ser muito menor do que esperavam, ou gostariam, para apoiar sua posição e muitas das premissas que consideravam dogma foram desmontadas pelos fatos. Three-mile Island, o outro acidente famoso e que congelou a indústria nuclear norte-americana por 30 anos, também merece ser analisado com mais racionalidade.

Também se fala na insegurança ou incerteza na disposição de resíduos, sempre invocando os problemas dos norte-americanos. Mas “esquecem” de mencionar que eles optaram por não reprocessar os resíduos para usá-los novamente como combustível, o que diminui brutalmente o volume de estocagem e meia-vida. Coisa feita rotineiramente por outros países. A tal “incerteza” vem do fato de que um dos combustíveis que o processo recupera é o plutônio.

A questão não é o meio ambiente, mas sim o controle sobre a fabricação de armas nucleares e, especialmente, a manutenção do status quo político atual.

Por aqui, por razões que parecem mais próximas do dogma religioso, se rejeita o que é antes solução que problema e se prefere a vastamente mais destrutiva opção hidrelétrica. Mais de um membro do governo, notando o nervosismo de parte dos ecologistas com a energia nuclear, já fez “ameaças” do tipo “sem Belo Monte teremos que construir Angra”. Eu acho que seria uma excelente troca. Muito melhor reatores próximos aos centros consumidores do que barragens nos rios Madeira, Teles Pires, Xingu, Juruena, Pelotas, etc e os megalinhões associados do PAC. O que provavelmente também seria mais barato.

Enquanto isso, ambientalistas reais como James Lovelock apóiam a energia nuclear como uma opção verde. O que falseia a suposta dicotomia (assumida como real pela grande imprensa) entre ambientalistas anti-nucleares de um lado e cientistas pró-nucleares do outro.

Hoje um leque de nações que incluem um país-modelo em questões ambientais, a Finlândia, estão construindo cerca de 30 novos reatores para diversificar suas fontes de energia e reduzir o uso de combustíveis fósseis. Eles perceberam que não podiam se esconder do problema de abastecimento de energia e de fontes que dependem de humores climáticos ou de aprendizes de ditador. Mesmo na Alemanha, apregoada como exemplo de rejeição nuclear, 61% da população são hoje contra descartarem esta fonte de energia, que continuará em uso pelas próximas décadas.

A rejeição à Ciência é cara a parte dos ecologistas brasileiros e aos misólogos pós-modernos que passam por intelectualidade. Coisa muito curiosa, pois o movimento ambientalista moderno surgiu entre cientistas e as principais bandeiras que carrega são derivadas de pesquisas científicas. Boa parcela dos “ecologistas” não é apenas ludista (da boca para fora), mas deprecia a cultura ocidental à qual pertencem, e com o ela o pensamento científico. Muitos parecem almejar uma utopia agrária medieval ou o retorno ao período pré-colombiano.

Essa rejeição tem visto seus momentos mais emblemáticos na questão dos transgênicos e na sistemática obstrução à CTNBio em aprovar projetos para testar os OGMs em campo. É lógico que pretensões monopolistas (incluindo a tecnologia “terminator) e lances canhestros de algumas empresas que lidam com transgênicos (bem descritas por James Watson em seu livro “DNA: o segredo da vida”) são reprováveis, mas os “ecologistas” não parecem fazer a menor questão de distinguir o que é má prática comercial e Lei de Gerson do que é risco ambiental. E aproveitam para fazer o show favorito de atrapalhar o máximo as multinacionais representantes do capitalismo selvagem ou o lero-lero do “isto é terreno divino e proibido para os mortais”.

Watson descreve a polêmica sobre os transgênicos como “uma tempestade numa caixa de cereais” e examinando a literatura sou forçado a concordar. Estudos de campo nos países onde estes não são empacados em comissões “democráticas” mostram que os impactos ambientais negativos são pequenos e manejáveis. Há problemas com relação à má capacitação dos agricultores, mas isso também é a tragédia da agricultura química convencional, que todos concordam ser um desastre ambiental.

Algo que emerge dos estudos é que boa parcela dos impactos negativos sobre a biodiversidade se dá pela exclusão de ervas daninhas das quais depende boa parte da fauna de países onde a biota foi transformada por séculos de agricultura intensiva. O problema é antes falta de habitat do que genes transferidos entre organismos).

Devemos subscrever o princípio da precaução, mas sem que este nos leve ao imobilismo contemplativo. Sem testes de campo e experimentos controlados a promessa da biotecnologia será apenas isso. A gritaria dos “ecologistas” no CTNBio pouco tem a ver com questões ambientais e menos ainda com Ciência. É mais um caso onde questões políticas e ideológicas, que em outros fóruns poderiam até ser válidas, são travestidas de ecologismo, roubando a credibilidade não apenas de quem as abraça, mas de todo o ambientalismo.

Uma ironia é ver “ecologistas” gritando contra plantações de OGMs no entorno de parques, mas se calando quando ali são colocados assentamentos da reforma agrária, uma das piores catástrofes possíveis. Outra ironia é o fato de que praticamente tudo que comemos mistura genomas de várias espécies, do trigo às bananas, e que pelo menos 98 mil genomas virais foram incorporados ao nosso durante os últimos 60 milhões de anos, influenciando desde coisa alguma até a formação da placenta. Somos transgênicos até a medula, o que deveria dar o que pensar.

A associação que alguns consideram obrigatória entre ambientalistas e índios, quilombolas e a massa propositalmente mal-definida das “populações tradicionais” é outro campo onde o ambientalismo saiu de rota. Conservar biodiversidade e serviços ambientais é algo que depende de como usamos a terra. Por isso a ênfase dos conservacionistas na proteção de espaços naturais através de reservas e outras formas de normatizar seu uso. É a razão porque os ambientalistas procuram aliados que controlem grandes extensões de terra e tenham baixo impacto sobre os ecossistemas.

Aliar-se a alguns grupos indígenas parece muito natural, já que existem os que controlam grandes áreas, as mantém largamente conservadas e têm compromissos sérios com a conservação. Mas o mesmo pode ser dito de alguns fazendeiros e empresas. Não é uma questão de qual chapéu ou cocar você usa, mas de quanta terra você tem, o que ali existe, do que você faz e fará com ela e de quão confiável você é.

Essa visão pragmática em algum momento cedeu lugar à visão de que a melhor estratégia para conservação seria entregar grandes territórios (e recursos) aos “povos tradicionais”. Essa posição emergiu da tempestade perfeita vinda da percepção de “movimentos sociais” de que ganhar uma roupagem ecológica aumentaria sua credibilidade; dos conflitos entre comunidades e da implantação deficiente de áreas protegidas “convencionais”; do imaginário do “bom selvagem ecologicamente correto” e sua promoção acrítica pela mídia; da contestação de “modelos de conservação importados” pela nossa paleolítica esquerda. E, não menos importante, a invenção da pseudociência de que povos tradicionais não apenas conservam mas criam biodiversidade.

A questão ambiental passa por associada às demandas por terra e dinheiro dos “povos tradicionais”. Ser “ecologista” se tornou defender os direitos que estes grupos acham ter à terra, mesmo que esta já esteja no interior de uma área protegida. A preferência é mesmo que esta terra esteja no interior de um parque, assim rompemos com o “modelo Yellowstone”, imposto pelos ianques imperialistas, ignorando seus resultados quando efetivamente implantado.

Como muitos conceitos queridos à “modernidade”, muito disso é mumbo-jumbo que jamais poderia ser levado a sério. Mas é levada a sério graças à tomada de influentes agências internacionais (como o Banco Mundial, PNUD, IUCN, etc) por antropólogos, sociólogos e economistas que usam a conservação como um cavalo de tróia para impor os “modernos” conceitos e projetos de conservação, todos politicamente corretos, socialmente complicados, que empregam muitos consultores (aliás, muito obrigado por isso) mas dão pouco resultado, durando assim para sempre.

Falando sério, onde está a análise de custo-benefício mostrando que coisas como o PPG-7 fizeram as melhores opções para conservar as florestas amazônicas ao invés de apenas distribuir dinheiro aos “atores sociais”? Valeu gastar dinheiro demarcando terras indígenas que vivem da garimpagem de madeira? Não teria sido melhor investir em reservas de verdade do que em reservas extrativistas-pecuárias-madeireiras?

Um fator não desprezível neste processo foi o Estado mínimo nos serviços, mas máximo na tributação, ter preferido fugir às suas responsabilidades, entregando-as à “sociedade civil organizada”. A área ambiental antecipou o que vemos hoje na questão da segurança, com milícias aproveitando o mercado criado pela ausência do Estado, e temos representantes de “movimentos sociais” virando governo, inventando novos “paradigmas” e gerando mais mercados cativos para si às custas do que é conservação real.

O que era ambiental virou sócio-político ou, como se diz por aqui, socio-ambiental. Preocupações com biodiversidade e serviços ambientais, suprasociais, deram lugar a revanchismo étnico e ideológico, e achaques pouco sutis para não obstruir projetos. Afinal, todos têm que pagar as contas. Isto tem outro nome que não ambientalismo, e só destrói a credibilidade do conceito.

Ambientalistas reais prestam mais atenção às ações e intenções de seus aliados do que à sua denominação étnica. Como ocorre com empresas e proprietários de terra, povos tradicionais são aliados da conservação em algumas situações (como os Uru-eu-wau-wau na sua terra indígena em Rondônia), mas são seu inimigos em outras. Exemplos não faltam, como os Pataxó no ex-parque nacional do Monte Pascoal e os Guarani nos parques estaduais Intervales e Ilha do Cardoso. Generalizar que “povos tradicionais” são sempre merecedores de apoio é a armadilha óbvia dos mal intencionados onde caem os mal informados.

Há os que preferem ignorar dados objetivos sobre desmatamento, extinção de espécies e uso de recursos. Apóiam a destruição que “povos tradicionais” causam como se fossem causas ambientais. Combatem parceiros potenciais ignorando o fato de que empresas respondem à lei e a contratos legais, enquanto movimentos sociais e “comunidades tradicionais” não se obrigam nem são obrigados a isso. Qual lado seria um parceiro mais confiável ? Falta coragem de levantar estas questões e tomar decisões baseadas em fatos, não em fé?

Enquanto isso, questões que estão no cerne do problema ambiental, como crescimento populacional, são ignoradas por politicamente incorretas apesar de ter, de Canudos a Rwanda, uma associação explosiva (e genocida) com climas em deterioração, recursos limitados e o acerbamento da dialética nós-eles do tribalismo.

Parcela importante da nossa sociedade ainda precisa chegar ao século XVIII. Emprestando a frase de Francis Wheen, a análise empírica sempre se deparou com a oposição os que temem que o desmantelamento das ilusões só possa acabar numa desilusão deprimente. Avaliar crenças ambientais de forma crítica (e políticas, econômicas e religiosas) evitaria opções desastrosas como a compra de biodiesel indonésio pelos holandeses.

É comum no Brasil que as coisas sejam chamadas pelo oposto do que são. Há pouco tempo a imprensa divulgou um projeto de “energia verde” que nada mais é que transformar a última Caatinga arbórea em carvão. Desastrosos assentamentos de reforma agrária são chamados de “projetos de desenvolvimento sustentável”. Pessoas que queriam substituir uma ditadura de direita por uma ditadura maoísta desfilam por aí como “defensores da democracia”. Crime organizado vira “agremiação política” ou “movimento social”. A “esquerda”, que buscava igualdade e progresso, aqui se resume à mera tomada e manutenção do poder e à misologia.

Mistificar a questão ambiental como fazem alguns rotulados “ecologistas” destrói a credibilidade de uma causa justa e dá espaço para os Lomborgs da vida. Não é à toa que vira bode expiatório da incompetência alheia.

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