Reportagens

Engenheiro Florestal, com orgulho – com Miguel Milano

Ameaças ao Pantanal e às unidades de conservação foram os principais temas discutidos com Miguel Milano, que lembra: nem 10% do país estão protegidos de fato.

Miguel Milano nascido na pequena Palmital, no interior do Paraná, sente arrepio até hoje quando lembra dos seus anos de faculdade. Entrou no curso de engenharia florestal animado com a idéia de preservar a natureza, mas saiu treinado para plantar, serrar e manejar pinus. Chegou a ouvir de um professor que ele tinha que entender de motosserra e não de plantas e bichos. Tantos absurdos o levaram a se envolver com conservação até o último fio de cabelo. Hoje, ele é uma das pessoas que mais entendem desse assunto no país, apto a opinar sobre política ambiental, estratégias de conservação, e a situação atual dos recursos naturais. Esteve por 15 anos à frente da direção técnica de uma das maiores instituições brasileiras que investem em conservação da natureza, a Fundação O Boticário. Recentemente, deixou o cargo para se tornar conselheiro da fundação e representante da Avina para os estados do Sul, além de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia.

Diante da diversidade de temas, dividimos esta entrevista em duas. Nesta primeira parte, ele explica porque não consegue ter convicção na recém aprovada lei de gestão de florestas públicas, opina sobre a interferência exagerada do movimento ambientalista nas atribuições do Estado e acredita que para o país conseguir proteger seu patrimônio tem que fazer cumprir a lei, nem que seja à força.

Há 30 anos você trabalha com conservação, a situação melhorou ou piorou?

Milano – Depende da leitura que você faz. Do dia que eu tive uma aula em que o meu professor, que deveria me ensinar conservação, disse que isso era coisa da viado, até hoje, mudou tudo. As universidades têm professores que ensinam sobre conservação, você tem coisas como a Fundação Boticário, existe O Eco, uma agência de notícias trabalhando com conservação da natureza, além de congressos, eventos e uma série de coisas. Sob muitos aspectos, houve uma mudança para melhor. Mas a realidade em si da conservação continua piorando. São duas coisas que nós temos que analisar: o que é de fato a natureza para a nossa existência, o quanto ela vem sendo degradada, e o quanto vem crescendo a informação, o conhecimento, a conscientização.

É paradoxal?

Milano – Há 15 anos, o tamanho do risco de você ser cardíaco e ter um infarto era enorme. Hoje, antes de você infartar, você faz ponto de safena, angioplastia. Antigamente morria. O tempo entre as descobertas e a aplicação delas na medicina é fantástico.Na tecnologia metalúrgica e metalmecânica é a mesma coisa. Fica o paradoxo: por que cargas d’água tudo que é gerado de conhecimento nas ciências que servem para ecologia, meio ambiente e consevação da natureza não é aplicado?

Você tem essa resposta?

Milano – Não há mais dúvida científica de que há uma mudança climática acontecendo no nosso planeta. Sabe-se mais da metade das causas. É óbvio que não se consegue parar essas causas de imediato, mas a gente não vê nenhuma transição consistente para mudar e os impactos continuam crescendo assustadoramente. Talvez o maior paradoxo que a gente deva considerar é o do conhecimento ter avançado e não ser posto em prática. É a falta de bom senso do ser humano, que pensa que o pior não vai acontecer. “A gente é filho de Deus e na hora H papai do céu vai salvar…” Não tem outra explicação. Como que se explica que em diferentes tendências, diferentes países, diferentes políticas se consiga destruir tanto a natureza, sabendo de todas as informações técnicas e científicas?

Você tem exemplos de suicídios ambientais no Brasil ?

Milano – Localmente são inúmeros os exemplos. Um deles é o de Paragominas, no Pará. Aquelas 300, 400 serrarias eram um orgulho. Mas há uma década metade delas fechou e as que conseguiram continuar abertas tinham que trazer as toras já de uma distância de 70, 100 quilômetros por rodovias de terra com dois palmos de pó. O que tinha em volta de Paragominas era um deserto, um pasto de última qualidade, com uma capacidade produtiva mínima, talvez 0,1 cabeça por hectare. Pelo menos, visualmente, era o que dava para ver. Sem falar numa certa fumaça sobre a cidade proveniente dos fornos de queima da serraria. Esse é um exemplo típico.

O que mais?

Milano – O norte do Paraná, especialmente o noroeste, chegou perto da desertificação, com o solo tremendamente arenoso e totalmente devastado. Plantou-se café, que não tem condições de cobertura do solo, e então veio uma chuva e levou 6, 7, 10 quarteirões de cidades inteiras dentro das vossorocas. Existe registro disso. Estou falando dos anos 70. Depois, num programa intenso, criou-se um organismo específico no Paraná de combate ao sistema de desertificação e principalmente um sistema de drenagem de água urbana no noroeste do Paraná. Deixou-se de produzir café, perdeu-se um monte de emprego. E a população, desalojada do plantio do café, foi exportada para Mato Grosso do Sul, pro Mato Grosso, Rondônia. Agora, a região voltou a ser mais ou menos produtiva, basicamente produzindo pasto. Mas as condições locais ficaram terríveis. Há registros que indicam mudanças significativas de velocidade média dos ventos em toda a região oeste do Paraná em decorrência da devastação.

Qual é a sua opinião sobre a lei de gestão de florestas públicas?

Milano – As minhas opiniões sempre são muito fortes e muito críticas, mas está aí um assunto no qual eu não consigo ter convicção. Para o bem ou para o mal. A essência do que o projeto prega seria estancar a privatização indevida do bem público, que é a floresta. Uma coisa que eu acredito ser não só necessária, como obrigatória. Nos Estados Unidos, em 1800 e pouco, se decidiu que não se privatizava mais terra, não se dava mais título. Tanto que em mais de 50% do oeste americano a terra é pública. Aí começaram a criação dos parques, das florestas nacionais. Então, olhando essa nova lei, há um fato tremendamente positivo que é assegurar o máximo possível de terra pública. Isso me parece bastante favorável. Com relação à prática, o passado e o presente demonstram que pôr em curso essas coisas para valer são coisas tremendamente difícies.

Se é difícil criar os mecanismos, pior ainda é implementá-los.

Milano – Por que as unidades de conservação que nós temos hoje não estão funcionando de fato? Porque não há pragmatismo, não há vontade de fazer. O que pode me fazer pensar que as florestas e as concessões florestais venham a acontecer? Os antecedentes que nós temos na história do Brasil indicam que há uma forte probabilidade disso ser uma catástrofe. De corrupção, de venda ilegal, de todos os tipos de concessões descontroladas. Ou então vai cair na mão de políticos que vão pegar uma área declarada como parque ou reserva e lotear entre amigos, como aconteceu no Pontal do Paranapanema. Não é assim que se resolve. Tudo é fato acabado no Brasil. Um bom exemplo é essa última resolução do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] sobre as Áreas de Preservação Permanente. Já que não dá para mudar o que está errado, legaliza o que já não tem mais jeito e daqui para frente fica proibido. Daqui a cinco anos a gente faz uma nova resolução mais ou menos assim: “vamos legalizar agora todo mundo que ocupou de 2006 para cá…”. Então eu não consigo ter convicção. Se por um lado a proposta de manter a terra pública é boa e fundamental, a prática histórica de administração do recurso natural no Brasil é catastrófica.

“SE POR UM LADO A PROPOSTA DE MANTER A TERRA PÚBLICA É BOA E FUNDAMENTAL, A PRÁTICA HISTÓRICA DE ADMINISTRAÇÃO DO RECURSO NATURAL NO BRASIL É CATASTRÓFICA”

Já foi melhor?

Milano – Eu posso falar em relação às unidades de conservação. Nesse caso, com certeza. Claro que tínhamos muito menos áreas para cuidar. Mas também tudo era menor. Em 1970 nós tínhamos 90 milhões de habitantes, nós trabalhávamos com um grau de pressão. Hoje ele é três vezes maior. A população cresceu um pouco mais do que o dobro, mas o consumo desses recursos está muito maior. A renda per capita é maior. Tudo é maior. Como conseqüência, você depende de mais água, de mais floresta, de mais madeira, de mais minério.

É impossível conciliar conservação com evolução?

Milano – Eu não acho que seja inconciliável. Vários lugares no mundo estão mostrando que há uma compatibilização grande. O que precisa é de um grau razoável de pragmatismo. É preciso vontade de fazer. Não se pode tapar o sol com a peneira.

Onde no mundo isso é conciliável e onde a gente está tapando o sol com a peneira?

Milano – Áreas protegidas na forma de unidade de conservação e o modelo de parques e florestas nacionais. Isso funciona perfeitamente nos Estados Unidos, no Canadá. De uma maneira latina, diferente um pouquinho, está funcionando na Costa Rica. Embora eu ache que a Costa Rica tenha uma capacidade propagandista enorme. É mais ou menos como Curitiba, a capital ecológica.

Ao falar em parque nos EUA, você se refere a um lugar onde as regras são obedecidas?

Milano – Sim, o território existe e as regras são obedecidas. Tem plano de manejo, staff, a população entende e valoriza. O serviço de parques nos Estados Unidos, por muitos momentos da História recente daquele país, foi considerado instituição top pelos americanos.  Lá,ele sempre aparece entre as cinco instituições mais sérias. É assim porque para fazer o primeiro parque funcionar, o Yellowstone, foi necessário destacar um batalhão do exército americano para tirar todo o tipo de posseiro, invasor, caçador e pescador da área.

Conservação exige algum grau de repressão?

Milano  – Absolutamente. Continua valendo isso hoje nos Estados Unidos. Essa pergunta foi uma provocação e não podia ser diferente. Quem é que faz o cumprimento da lei, de qualquer lei? A polícia. Polícia e lei são coisas em comum. Mas o Brasil tem medo de chamar a polícia para tudo por causa do passado militar…

Milano – Acho que a preocupação nem é esta. O que vejo é um receio em não dar espaço para os ribeirinhos, para os índios, ou quilombolas. Eles são apenas outras minorias que têm um problema a ser resolvido. De vez em quando, não é sempre, há uma superposição dessa relação. Vou dar um exemplo emblemático, que a gente não pode esquecer nesse país: a criação do Parque Nacional do Iguaçu, em 1939.

Hoje, aliás, esse parque jamais seria criado.

Milano – Claro que não. E se fosse, teria mil hectares, não 185 mil. Todo o oeste do Paraná, a partir de um lugar chamado Laranjeiras do Sul, compreendia um ou dois municípios. Era sertão absoluto. Mas esse parque tem uma história bem parecida com a de Yellowstone, nos Estados Unidos, que ganhou a fama de ser o primeiro parque do mundo, quando Yosemite já tinha sido criado. Iguaçu foi decretado com nome de parque nacional em 1910 ou 1912, por causa da passagem de Santos Dumont por lá, que influenciou o governador da província e fez nascer um parque estadual, com dois mil hectares, mas batizado de parque nacional. Alguns anos depois, com a criação do primeiro parque nacional em 1937, o governo da província doou aquelas terras – que na época já era uma bagunça fundiária – ao governo federal, que em 1940 o demarcou.

Na época, era para ele ser bem maior do que é hoje.

Milano – Alguns anos depois o parque perdeu uma parte importante porque no ato de criação não ficou definida a área e sim os limites. A zona mais ao leste foi invadida e uma bacia hidrográfica inteira ocupada. Toda área na região de Santa Teresa foi dada como perdida. Nos anos 60, um outro grupo enorme invadiu uma outra área mais próxima às Cataratas do Iguaçu, inclusive onde hoje há esse problema jurídico chamado Estrada do Colono. Cerca de 500 famílias ficaram morando lá e aí houve uma discussão do governo envolvendo partidários de que esse parque fosse dividido em duas coisas distintas: uma reserva biológica a leste e um monumento natural nas Cataratas. Mas a reação das pessoas foi: se vierem tirar a gente daqui vamos matar todo mundo. O Incra comprou duas ou três fazendas na região e ofereceu título de propriedade difinitiva e indenização das benfeitorias para quem quisesse sair. Quem não quisesse ia ser retirado porque era terra pública e não podia ficar. Não morreu ninguém, todo mundo foi embora e alguns anos depois estavam batendo recorde de produtividade nas suas fazendas legalizadas há trinta, quarenta quilômetros daquela área. Resultado: hoje você tem o Parque do Iguaçu com 185 mil hectares sem um metro quadrado ocupado. Tudo regularizado.

Mas e a Estrada do Colono?

Milano – Mentirosamente, tentam falar que aquela estrada é histórica, que por lá passou a Coluna Prestes. A verdade é que nem a estrada, nem a trilha existiam na época da criação do parque porque não existiam municípios nem ligação de nada com nada na região. Hoje, o parque tem margem em 15 municípios. Esse é o grau de ocupação. Um estado que em 1950 tinha 50% de cobertura florestal e hoje tem 8%. O parque sozinho corresponde a 1% do território do estado. Quando você analisa uma situação como essa, você vê que o grau de desrespeito é enorme. Nos anos 50, Bento Munhoz da Rocha, então governador do Paraná, criou um conjunto significativo de grandes reservas. Reservas de 100, 200, 300 mil hectares. Com a idéia de ser reservas de recurso para o futuro. Mas Moisés Lupião “desdecretou” e dividiu tudo para os amigos. No governo seguinte voltou o Munhoz da Rocha, que insistiu em decretar as reservas. Mas já estavam todas invadidas e aí não deu mais. Essa coisa do não-cumprimento da lei. “Não foi feito? Então deixa do jeito que está.” Isso é algo da nossa cultura indolente sob muitos outros aspectos. Aqui no Brasil a gente tem esse negócio de lei que não pega. O processo é uma roleta-russa.

A gente detesta cumprir lei, isso vem piorando?  

Milano – Há coisas que pioraram e outras que melhoraram. Tem contradições. Nos últimos 10 anos, o país tem dado uma mostra de vitalidade, de respeito à burocracia, à lei, à cidadania, a um Ministério Público que vem funcionando bem (freqüentemente com exageros porque nenhuma instituição é perfeita). Tem casos exemplares de cumprimento da legislação, inclusive da legislação ambiental, de Termos de Ajuste de Conduta, de coisas desse tipo tremendamente positivas. Por outro lado, uma pressão crescente por essa índole brasileira de dar um jeitinho daqui e dali de negociar, o que também favorece muitos abusos. Há uma situação, que é a pior de todas, o lado mais negativo, na minha opinião, que é decorrente da Rio 92: a apologia da conciliação de desenvolvimento com sustentabilidade de uma maneira tremendamente equivocada.

Você se refere ao uso desmedido da palavra sustentável?

Milano – Nos países de terceiro mundo ela só tem funcionado para escamotear, para acobertar problemas ambientais. Você pega um governador dizendo que implantar um pólo automobilístico em tal lugar é desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável não significa nada mais do que crescimento econômico puro e simples, sustentado no fato de ter faixas de 4 ou 5% de crescimento ao ano, mas não compatibilização com a questão ambiental.

“O MOVIMENTO CONSERVACIONISTA DEIXOU DE SER UM COBRADOR DO GOVERNO, QUE PODERIA FAZER E FAZER BEM, PARA SER UM CO-AUTOR DA INEFICIÊNCIA”

Você acha que o movimento ambientalista tem ajudado a enfraquecer as instituições?


Milano – Certamente, não há a menor dúvida. Algumas coisas favoreceram esse processo, em diferentes linhas, em diferentes fontes. Há um grau de confusão e de mistura indevida, político-ideológico- partidária, de interesses como meio ambiente, saúde e educação. Por exemplo, a mistura das questões sociais com meio ambiente.

Até que ponto elas são conciliáveis?

Milano – É óbvio que ninguém vai sobreviver com as questões ambientais não resolvidas. Se não tiver água, ar e recursos naturais, vamos todos desaparecer. O que tem acontecido é que ao longo do tempo você tem pobreza crescente, um monte de problemas sociais não resolvidos e uma mistura de coisas indevidas. Você tem a tentativa, dentro das instituições que deveriam cuidar de meio ambiente, de resolver questões sociais quando você tem um grupo de ministérios e secretarias responsáveis por isso. Por que que eu tenho que ir lá no meio ambiente, que deveria cuidar desse componente que dá suporte para tudo, e ainda gastar os poucos recursos?

Isso quando os recursos não são desviados…

Milano – É por isso que na hora que você tiver que entender de sociologia, antropologia, com política e ecologia e lei, você vai sempre entender menos de ecologia e de legislação ambiental. Junte-se o aspecto de termos saído de uma ditadura, o que causou uma onda tremendamente forte (também no movimento ambientalista) de participação em tudo. O movimento conservacionista deixou de ser um cobrador do governo, que poderia fazer e fazer bem, para ser um co-autor da ineficiência. As organizações da sociedade civil vieram nesse processo de querer participar, em função de uma suposta não-participação anterior, e assumem responsabilidades também que não são delas.

Mas na hora de assumir responsabilidades, elas caem fora.

Milano – Elas são co-autoras, seja no plano, seja na execução, de coisas que nem sempre dão certo. Na hora de pagar a conta, elas pulam fora do barco, dizendo que o problema foi com o Ibama. Mas fazem isso também por outro motivo: acesso a recursos para poderem existir. Esse é um ponto que é relativamente crítico no presente momento do governo. Um acesso enorme de pessoas da sociedade civil e de ongs ao núcleo do governo, ocupando cargos e posições importantes em vários níveis. E, ao mesmo tempo, a sociedade civil sendo cada vez menos representada. Então, há uma leitura aparente de que as ongs já estão representadas. Só que agora elas não são mais ongs, são governo. É preciso abrir espaço para quem está de fora para haver o contra-ponto. Isso não acontece.


Qual deve ser a função das ongs, então?

Milano – Eu insisto em dizer que a função das organizações da sociedade civil é muito menos de participar, mas sim de cobrar o que é obrigação do governo e ele não faz. Em segundo lugar, complementar e ir além daquilo que o governo faz. Mas nunca substituí-lo.


Engenheiro Florestal, com orgulho – Parte II

Marcos Sá Correa, Manoel Francisco Brito, Andreia Fanzeres, Juliana Tinoco, Eric Macedo e Carolina Elia

Miguel Milano e Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (FBPN) têm nomes e histórias que se misturam. E não dá para ser diferente. Foi graças à insistência dele que a fundação não surgiu para simplesmente plantar árvores e se tornou uma das maiores instituições brasileiras que investem em conservação da natureza. Isso inclui formação de pessoas, apoio técnico e financeiro a projetos de terceiros, programas próprios de conservação, educação ambiental, e efetivamente, a proteção de importantes fragmentos dos ambientes naturais brasileiros. Essa é a maior bandeira da fundação, que se empenha em criar e manter importantes áreas protegidas pelo Brasil. Começou pela Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica do norte paranaense. Agora, implementa outra no Cerrado goiano. Embora tente dar atenção ao país inteiro, O Boticário e Milano demonstram atualmente particular preocupação com o Pantanal.

Por isso, ele dedicou boa parte desta segunda etapa da entrevista a explicar a importância e as ameaças mais recentes a essa região. Elas não são muito diferentes das pressões sofridas pelas unidades de conservação de proteção integral, que não ocupam nem 10% do território brasileiro. Com a biodiversidade que tem, o Brasil merecia muito mais. Se você ainda não está convencido disso, deixa com o Milano.

O que preciso ver no Brasil se quiser conhecer um país que está desaparecendo?

Milano – Com absoluta emergência: as Florestas de Araucárias e os Campos de Altitude. Isso é o que tem de mais ameaçado no Brasil. E tudo que estiver fora de duas ou três unidades de conservação tende a desaparecer mesmo. Hoje, no sul do Brasil, um novo risco está se estabelecendo, especialmente nas áreas dos campos sulinos que têm menos valor econômico. Como não é área de floresta, não se fala de supressão florestal. Então, você pode entrar com tudo plantando pinus sem ter que cuidar daquela área. Há uma pressão enorme por essa espécie, que é uma pioneira tremendamente agressiva. Mas você tem fragmentos protegidos. A Chapada dos Veadeiros (GO) é uma área maravilhosa relativamente salva, já a Chapada dos Guimarães (MT) nem tanto, assim como a Chapada Diamantina (BA), que tem áreas de cerrado e caatinga. É importante também lembrar o risco crescente na região da Bodoquena (MS). O desmatamento em torno do parque [Parque Nacional da Serra da Bodoquena] tende a pôr em risco belezas daquelas áreas. A exuberância de vida silvestre lá é impressionante.

Quais são as suas atuais preocupações em relação ao Pantanal?

Milano – O Pantanal é uma região maravilhosa, uma planície de inundação permanente. Existe um ciclo de cheias que a cada 20, 30 anos tende para um período mais intenso. Nos últimos tempos, o Pantanal vem passando por um período de secas cada vez menores, que deve estar cumprindo um ciclo. Mas como cada vez ele alaga menos, a ocupação avança. Agora, as entradas pelo Pantanal são muito mais agressivas, com muito mais desmatamento, substituição de pasto nativo por pasto exótico, sendo que não se tem noção da pressão das exóticas sobre a área. De qualquer maneira, tem ainda o problema de assoreamento no rio Taquari, que está praticamente acabado em sua porção norte por causa do desmatamento nas cabeceiras – resultado da agricultura intensiva praticada no Mato Grosso. Também nessa porção norte já houve muito garimpo, sem falar que a hidrovia no Pantanal foi instalada à revelia, porque as barcaças são muito grandes, elas arrebentam as margens. Hoje há uma ameaça crescente já mais para o sul do Pantanal, em Corumbá (MS).

É a questão da mineração?

Milano – Corumbá tem uma das mais importantes jazidas de ferro e manganês do mundo. Uma delas fica no Maciço do Urucum, uma morraria próxima da cidade que é minério puro, com manganês e calcário. Lá já tem uma indústria de cimento da Votorantim e duas dos maiores mineradores de ferro, manganês e metais pesados: Vale do Rio Doce e Rio Tinto. Também se estabeleceu na região a EBX, com uma proposta siderúrgica. Além disso, por Corumbá passa a entrada de gás da Bolívia para o Brasil. A transformação do minério de ferro em ferro-gusa deve agregar valor em 17 a 20 vezes. Ou seja, você ganha muito mais se exportar direto o ferro-gusa em vez do minério de ferro. Hoje, esse minério todo sai por balsa para Assunção e Buenos Aires pelo rio Paraguai. Como se trata de uma mina importante, num lugar que tem um maciço com potencial para exploração, esse negócio tende a pegar.

E quais são os agravantes ambientais?

Milano – Há todos os riscos de poluição e ainda os que são associados aos transportes, cujos impactos na biodiversidade local ainda são impossíveis de esclarecer. Mas uma das questões mais importantes é o carvão vegetal, que vai ser usado para fazer a redução do minério para ferro-gusa. O carvão pode vir tanto de área própria comprada como de desmatamentos realizados para viabilizar o plantio de soja e a criação de gado. Ou seja, aproveita-se o desastre para dar um uso um pouco melhor para a lenha que seria queimada de qualquer maneira. É mais nobre, mas o problema não diminui sobre vários aspectos. Não sei até que ponto é apenas um plano, mas há indícios da instalação de um pólo gás-químico da Braskem e da Petrobras em Corumbá. Se você juntar os riscos do que é a produção de energia em um pólo gás-químico, mais a siderúrgica, mais a mineração, o Pantanal pode ser ferido de morte por emissões atmosféricas, problemas nos transportes e a pressão que vai ser feita para obter carvão vegetal.

“O PANTANAL PODE SER FERIDO DE MORTE POR EMISSÕES ATMOSFÉRICAS”.

Mas de onde virá a madeira para fazer carvão no Pantanal?

Milano – Uma das tendências é sair de dentro do próprio Pantanal madeira nobre, de diferentes tipos e também do Cerrado. Mas tudo isso tem que estar dentro do limite e essa é uma preocupação. A taxa de desmatamento do Mato Grosso do Sul é simplesmente assustadora. O licenciamento formal do estado deve estar em 700 a 800 hectares de Cerrado desmatados por dia. O Pantanal é cheio de florestas nas ditas cordilheiras, ou seja, em áreas um pouco mais altas, que já estão tremendamente desmatadas para fins de pastagem.

Diante desse contexto de devastação, qual é o papel das unidades de conservação?

Milano – As unidades de conservação são como jóias da coroa que precisam ser protegidas. Claro que as de uso sustentável são importantes também, mas para a conservação da biodiversidade elas não chegam próximo das de proteção integral. Elas servem para assegurar a nossa herança para as futuras gerações, para a preservação de um patrimônio que também significa identidade nacional. Como seria possível falar de Brasil sem a Floresta da Tijuca, o Itatiaia, a Chapada Diamantina, as Cataratas do Iguaçu… Nós seríamos um país mais vazio, mais ignorante e mais uma porção de coisas ruins se a gente não tivesse um patrimônio desses. É uma contradição enorme. O Brasil e o brasileiro têm um orgulho de sua natureza e acaba com ela dia após dia sem ver o que está fazendo.

Quais as ameaças que as unidades de conservação correm hoje?

Milano – São todas em função da localização e pressão externa que têm, como a agricultura bem ao lado, algo facilmente identificável no Parque Nacional do Iguaçu (PR), ou no Parque Nacional das Emas (GO). No caso das Emas, trata-se de um parque cercado por agricultura extensiva com pulverização aérea, o que afeta tremendamente. As emas saem para comer os bichinhos da soja, já pulverizados, e elas morrem. Outros riscos são exploração ilegal de caça, palmito, madeira, pesca e fogo. Sempre são fortes problemas que têm uma origem externa. Outra coisa é a não regulamentação fundiária. É um processo muito longo em que não se reconhece muitas vezes quem é dono e quem tem título da terra. É o caso do Parque Nacional da Serra da Bocaina (RJ/SP), com 40 anos de criação e a maior parte do parque não tem sua terra regularizada. Mas entre as ameaças não se costuma considerar um fator crítico: o pessoal da própria unidade de conservação.

Em que sentido?

Milano – Falta de pessoal para conter tudo isso, falta de equipamento e freqüentemente treinamento. Geralmente eles são parte do problema, quando não são pessoas que trabalham por orientação e interesses pessoais. Por exemplo, fizeram um plano de manejo para o Parque Estadual da Ilha do Cardoso (SP) num processo dito participativo, mas que nesse caso foi negativo porque, no final das contas, queriam mudar a lei federal que proíbe morar gente dentro de um parque, ou então de alterar a categoria de manejo. Olha como o planejamento de um parque estadual consegue chegar à ousadia de meia dúzia de pessoas (ou 100, que seja) em sugerir mudanças na legislação federal para benefício próprio.

Seria tirar do parque estadual sua função de existir.

Milano – Esse parque tem contexto de importância para o estado inteiro, assim como um parque nacional tem para o país. Ele deve ter amostras representativas de cada tipo de ambiente, para cada tipo de paisagem. As pessoas que estão dentro das unidades estão passando por cima do que a lei diz cada vez mais por causa dos políticos que frequentemente não têm a noção de importância nem de impacto. Eles vêm com um discurso fácil de que a área é vizinha à deles. Mas não podemos esquecer que no mundo inteiro a criação de uma unidade de conservação afeta uma população local. Só que isso acontece como uma forma de beneficio para toda a sociedade. É o mesmo caso quando se faz uma estrada, uma represa, um metrô ou qualquer tipo de benfeitoria que seja para o uso coletivo.

“ NO MUNDO INTEIRO A CRIAÇÃO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AFETA UMA POPULAÇÃO LOCAL.”

As unidades de conservação acabam ficando na mão de quem mora perto delas…

Milano – Isso é um erro. Tanto que as consultas públicas, embora elas tenham sido direcionadas e pensadas com as populações locais, incorporam e deixam espaço para que a sociedade como um todo se manifeste. O que você está falando é um processo mais recente. As últimas araucárias do Brasil quase desapareceram por causa das consultas públicas porque ao se fazer um processo altamente participativo, elas foram arrasadas, derrubadas e destruídas em debates politizados ao extremo.

Então as consultas públicas mais atrapalham do que ajudam?

Milano – Como vêm acontecendo, as consultas não têm sido o melhor caminho. Em primeiro lugar, a legislação fala de consulta apenas para orientar o limite, o tamanho e eventualmente a categoria de manejo, mas acaba por aí. Ela é uma consulta, não tem caráter deliberativo. E abre uma brecha desnecessária de confronto com a sociedade.

E quando quem está dentro dos parques se diz população tradicional?

Milano – Há uma discussão enorme sobre as comunidades tradicionais dentro das unidades de conservação. Claro que é um problema que deve e pode ser resolvido, sem necessariamente um confronto. É o caso do Parque Nacional do Superagui (PR). Aquilo é uma ilha artificial resultado do corte de um canal para facilitar a conexão entre o litoral sul de São Paulo e o norte do Paraná. Com isso, isolaram o mico-leão-da-cara-preta, descoberto em 1989. Ele só existe nessa região e 90% da população conhecida está no parque. Uma pessoa do Ibama chamada Guadalupe Vivekananda fez uma tese de mestrado sobre a região estudando fotografias aéreas da década de 50 e imagens de satélites para acompanhar a ocupação humana das comunidades tradicionais. Fez também entrevistas com cerca de 100, 200 pessoas acima de 40 anos para saber quais eram as tradições locais, o que eles faziam antes o que eles fazem agora, da onde retiram os recursos naturais.

E qual foi o resultado?

Milano – Menos de 5% das coisas que foram ditas eram usuais há mais de 40 anos. Por quê? Porque é muito mais fácil ir à venda da esquina e comprar o que se precisa. Uma telha de eternite vai durar quanto tempo? E uma de sapê? Há quem queira que essas populações continuem tradicionais, mas às vezes elas mesmas não querem. Querem ser jornalistas, advogados, qualquer coisa menos sofrida, para não ter que continuar vivendo de uma forma primitiva. Essa mesma pesquisa também mostrou uma redução do uso do espaço para agricultura de subsistência. Afinal, é mais fácil comprar alface numa vendinha do que plantar em uma situação tropical extramente desfavorável. E o terceiro ponto constatado foi uma forte migração dessas comunidades de cinco ou dez famílias para outras maiores, de 100 famílias. Elas mudaram em busca de água e luz, o que levou à criação de núcleos quase urbanos de 500 pessoas. O caso do Jaú [Parque Nacional do Jaú, no Amazonas] é extremamente marcante. Há sistematicamente uma ênfase de ongs locais de manter essas comunidades dentro do parque, quando elas nunca poderão ter a posse ou a propriedade da terra. E aí você já vê lá várias comunidades que já migraram para fora do parque em busca de uma vida diferente.

Mas muitas vezes dão um dinheirinho para a pessoa sair e ela vai parar numa favela.

Milano – A partir de 1950 o Brasil sofreu um processo violentíssimo de inversão da população rural em urbana. Nós saímos de 50% de população rural para 83% de urbana, considerando todos os tamanhos de cidades. Na verdade, essa inversão aconteceu em 30 anos. Quando se fala de uma possível expulsão ou não das pessoas do campo para a cidade, estamos nos referindo muito mais à tecnificação da agricultura do que às unidades de conservação.

O que você pensa quando dizem que as unidades de conservação devem ser reduzidas por causa das pressões sociais?

Milano – Existe terra suficiente para dar a qualquer habitante rural desse país um latifúndio para cada um, sem interferir nas áreas que precisam estar protegidas. É uma insanidade querer que cada metro quadrado desse país tenha alguém morando, caçando mico e papagaio. O que se discute sobre as unidades de conservação de uso indireto é essencialmente a responsabilidade do país que tem 20% da biodiversidade do planeta de minimamente manter isso, o que não demandaria mais do que 10 a 15% de território para proteção integral, deixando 85% para se fazer o que quiser. Hoje esse percentual, no âmbito federal, não chega a 4%. Talvez considerando também as estaduais, estejamos beirando os 7% — muito aquém do necessário.

“EXISTE TERRA SUFICIENTE PARA DAR A QUALQUER HABITANTE RURAL DESSE PAÍS UM LATIFÚNDIO PARA CADA UM, SEM INTERFERIR NAS ÁREAS QUE PRECISAM ESTAR PROTEGIDAS.”

Mas e quando o argumento é econômico?

Milano – A mesma Embrapa, que com todo o seu conhecimento e tecnologia permitiu que a soja chegasse no Cerrado e na Amazônia, tem pesquisas que indicam que se nós utilizarmos toda a tecnologia agrícola disponível no país só na terra ocupada, podemos triplicar a produção brasileira, sem avançar mais nada na Amazônia. O que está acontecendo hoje lá não é um processo de colonização para a produção, mas saques à riqueza maior do país: biodiversidade e terra pública sendo transformadas em terra privada num deslavado processo de grilagem.

A Fundação O Boticário é uma das maiores entidades conservacionistas do país. Como chegou até lá?

Milano – A Fundação nasceu em uma história profundamente interessante. Um caso raro, se não único no Brasil. Na época, eu dirigia a Fundação de Pesquisas do Paraná da Escola de Florestas da Universidade Federal do Paraná (Fupep). Em 1990, recebi um convite para a Fundação O Boticário e todas as parceiras da Fupep. Como era para conversar no Boticário, meus amigos disseram: “Milano vai lá, você que gosta de florzinha”. Eu fui. E essa conversa foi surpreendente para mim porque lá falaram do interesse da empresa de plantar uma árvore para cada produto vendido. E eles vendiam de 4 a 6 milhões de produtos. Seria necessário um reflorestamento de dois a três mil hectares por ano. É muito reflorestamento.

Eles tiveram uma bela idéia, sem ter a noção de que idéia era aquela…

Milano – Isso tinha a ver com uma coisa de consciência e de marketing porque em cada produto vendido traria a mensagem: “Você está ajudando a plantar uma árvore”. A idéia inicial do Miguel [Krisgner, fundador de O Boticário] surgiu com base numa organização chamada KKL, que faz reflorestamento com recursos de judeus do mundo inteiro e o doador pode ir a Israel e achar a árvore com seu nome, uma coisa assim. Ele também foi inspirado por palestras do José Lutzemberger. Eu disse que ia dar errado.

Por quê?

Milano – Perguntei: vai plantar onde? Ele respondeu: “Em parques, praças”. Eu falei que não tinha espaço em praça ou em parque para plantar tudo aquilo – e nem era permitido. Fizemos uma segunda, uma terceira reunião, e eu já estava perdendo a paciência porque ele só pensava em plantar aquelas árvores. Ele dizia: “Não quero fazer que nem uns e outros que divulgam na televisão: compre um produto e ganhe um saco de sementes da Mata Atlântica”. Quer dizer, o sujeito gastava R$ 500 mil em uma propaganda por mês e depois cinco mil em sementes, sendo que as pessoas começavam a plantar jequitibá nas calçadas. Dava tudo errado. O Miguel dizia: “Eu quero de fato dar a minha contribuição para a natureza, quero investir todos os R$ 500 mil no projeto”.

E o que você fez?

Milano – Isso me impressionou, por um lado. Por outro, me deixou preocupado porque não tinha muita saída. Na terceira reunião eu falei que eles tiveram muita sorte de eu estar ali conversando porque se tivessem contratado um consultor, agora eles já teriam um viveiro com as mudas, sem saber o que fazer com elas. Disse mesmo. “Eu acho que isso é uma roubada sem tamanho, mas se você quer fazer isso eu vou te encaminhar para o sujeito que entende de mudas. Mas vocês não vão ter onde plantá-las e em menos de um ano ou dois vão se arrepender desse projeto”.

Foi dessa discussão que veio o estalo para conservação?

Milano – No meio da discussão, eu perguntei: “Por que, em vez de plantar árvore, que traz um conceito de recuperar coisa perdida, vocês não conservam o que ainda existe?” Eles perguntaram se isso dava certo, eu disse que dava, mas também não tinha a menor noção. Mas seguimos. Em um mês a fundação estava criada exatamente com esse objetivo.

E o que a fundação anda fazendo desde então?

Milano – De lá para cá, foram cerca de 1.020 projetos já apoiados, sendo que mais da metade se referem a pesquisas de biologia da conservação, ecologia das espécies, diagnóstico de áreas e coisas assim. E os outros 50% já em conservação aplicada, associados a planos de manejo, trilhas, educação, congressos. Temos várias outras coisas, mas a pesquisa é um fator importante com o qual a fundação sempre se preocupou.

Quais são as linhas de atuação da FBPN?

Milano – Depois do Programa de Incentivo à Conservação da Natureza – esse que financia projetos – a fundação passou a ter outros programas através dos quais ela opera projetos. Criamos a Reserva Natural Salto Morato [no litoral norte do Paraná], que deu origem ao Programa de Áreas Naturais Protegidas. Ele prevê que a fundação tenha uma reserva modelo para o Brasil como referência em cada bioma. Nós inclusive estamos implantando agora a nossa segunda área, no Cerrado. Ajudamos e apoiamos proprietários privados a fazer conservação de terras. E ainda temos um programa de monitoramente de unidades de conservação públicas.

Mas vocês trabalham com educação ambiental também, não é?

Milano – Sim, há um terceiro programa, de educação e mobilização, que veio associado aos trabalhos em Salto Morato. Na verdade, o que a gente fez em Salto Morato foi tão caro, tão assustador para o tamanho que tínhamos à época, que a gente falou: “Muito antes de pensar em qualquer outra reserva vamos transformá-la em um centro de capacitação.” Isso deu tremendamente certo e temos capacitado muita gente de governo federal, estadual, municipal, numa média de 250 pessoas por ano, em cursos relacionados a unidades de conservação.

Que tipo de cursos a fundação oferece na reserva de Salto Morato?

Milano – Tem um curso grande de manejo de unidades de conservação, um outro específico de planejamento e implantação de infra-estrutura de trilhas, cursos de biologia da conservação, de inventário de biodiversidade, de interpretação da natureza e educação ambiental em unidade de conservação. Esse terceiro programa virou algo que traz a educação e a conscientização para a causa ambiental. Ou seja, a fundação financia projetos de conservação, opera, divulga, comunica e forma pessoas para isso.

E foi assim que a FBPN cresceu?

Milano – Essa história de cursos nos gerou algumas necessidades, como produzir material didático e ter uma turma que faça isso. Aí a fundação começou a lançar livros, séries técnicas, revistas científicas, além de outros eventos como o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, que a gente está à frente desde que ele nasceu.

Dá para sobreviver de pesquisa em conservação no Brasil?

Milano – Na maior parte da minha vida eu ganhei muito pouco, mas sempre me diverti muito. Eu estive nos lugares mais maravilhoso do mundo com passagem paga. Ver 16 mil charões juntos é uma coisa entre arrepiar e chorar. São os últimos do planeta e eles estavam todos juntos no dia em que eu os vi. É uma coisa tão fabulosa como chegar debaixo das Cataratas do Iguaçu. E na medida em que você entende o que é valorizar a vida, você mergulha nesses espaços. Talvez a maioria das pessoas seja mesmo mal remunerada, mas há um outro pagamento paralelo de estar de bem com a vida. É um bom pagamento. Não tem preço.

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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