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Obama, é hora de taxar o carbono

Embora seja impopular, a criação de um imposto sobre carbono não abalará a economia e dará ao novo presidente o poder de virar o jogo energético, contra o petróleo.

13 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

As pessoas se acostumaram com o petróleo caro nos últimos anos. Essa adaptação criou a oportunidade de taxá-lo nessa (provável curta) fase de preços baixos. E quem melhor que o presidente dos Estados Unidos, maior consumidor, com 25% do total mundial, para abrir o caminho. Entre as promessas de campanha, Barack Obama carregou a bandeira verde. Chegou a hora de honrá-la e aproveitar o início do mandato para tomar as medidas impopulares.

Taxar a emissão de carbono não será uma batalha mais dura do que as que venceu até agora. O preço alto dos últimos anos teve efeitos excelentes. Reduziu o consumo, aumentou a eficiência de máquinas e veículos, além de incentivar a utilização e a pesquisa de energias alternativas. Seria uma pena abortar essa mudança de direção, que custou anos para se consolidar. Mas, é essa a ameaça do atual furacão recessivo, que ceifou os preços do barril para a faixa de 40 dólares, quando em julho de 2008, chegou a bater em quase 150 dólares.  

Um aumento efêmero de preços não causa grandes adaptações, especialmente quando diz respeito a uma matéria-prima essencial e difícil de substituir. A lei da demanda diz que, quando os preços sobem, a quantidade demandada cai. Alguns economistas chamam de segunda lei da demanda o aumento da sua sensibilidade ao preço decorrente da passagem do tempo. Quanto maior for o período de preços altos, maior o esforço e a técnica que as pessoas empregarão para substituir o produto caro.

Em outras palavras, o dono de um utilitário beberrão roda menos se o preço da gasolina subir por seis meses. Entretanto, se o preço continuar alto por dois ou três anos, seu comportamento poderá dar uma guinada e, talvez, ele não só compre um carro menor como mude para uma casa mais perto do trabalho. Foi o que aconteceu, com as vendas de utilitários nos Estados Unidos, caindo 30% até meados de 2008, período pré-crise financeira, quando a gasolina ainda estava cara.

O maior argumento contra um novo imposto é contornável. Dizem que ele agravaria a recessão americana. Mas esse aumento de receita poderia se contrabalançado com a redução de outro imposto. Melhor ainda, para tornar essa neutralidade visível, o governo poderia distribuir esses fundos mandando um cheque para cada família. O Alaska faz isso com a receita que obtém taxando a exploração de petróleo. Essa medida manteria o incentivo para economizar derivados de petróleo (um preço alto é sempre um obstáculo ao consumo), mas permitiria aumentar outros gastos.  Usando esse argumento, Obama poderia ir além e, dando o exemplo, conclamar os países no rol dos grandes geradores de gases do efeito estufa a taxar o carbono.

Mesmo que os Estados Unidos agissem sozinhos, teriam ainda outra vantagem. O peso do país como consumidor é tal que o aumento de preço na ponta do consumidor, decorrente do imposto, reduziria não só a demanda como também o valor recebido pelos produtores de petróleo, mantendo uma pressão de baixa permanente sobre o preço mundial do barril.

Isso significa que o peso do novo imposto seria dividido entre os consumidores e países exportadores. De tabela, esse resultado também minaria a força de ditadores (e candidatos ao posto) de países que caíram vítimas da “maldição do petróleo”. Ela dita que a riqueza fácil proveniente da venda de vastas reservas produz ditaduras ou as chamadas democraturas. Só para citar os suspeitos de sempre, Putin, Chávez e os aiatolás do Irã, através de Mahmoud Ahmadinejad, teriam suas asas cortadas se os preços continuassem deprimidos.

Obama prometeu recuperar a estatura moral de seu país. Por isso, outra variante do argumento acima para justificar consumir menos é a redução da dependência de petróleo advindo de países com regimes instáveis e/ou detestáveis. A necessidade energética de se manter próximo a esses governos suja a reputação e a capacidade de liderança norte-americana, além de ser uma fonte de corrupção de empresas e de políticos. Como bônus, essa posição agrada eleitores de variadas inclinações políticas.

Infelizmente, nesse momento, Obama parece inclinado a adotar o sistema de cap and trade (limite e troque), embora vários de seus assessores favoreçam a taxação do carbono. Nesse caso, as empresas terão um teto de emissões e, se precisarem emitir além dele, deverão comprar quotas extras em um mercado de carbono. A vantagem política desse sistema é encobrir os custos do controle de emissões. Eles seriam absorvidos inicialmente pelas empresas que acabariam os repassando aos consumidores. Assim, o governo ficaria livre do ato impopular de criar uma nova taxa. Essa alternativa funciona bem para problemas localizados que envolvem poucas empresas. Mas, para um programa que abranja toda a economia, o cap and trade é burocrático e sujeito a fraudes e manipulações políticas (confira coluna anterior Taxando o carbono, de 27.02.2007).

Estadista é aquele que tem capacidade tática de liderança e negociação, superando resistências miúdas, para mirar longe e alcançar grandes metas de bem-estar. De preferência, que se estendam além das suas fronteiras. O populista, ao contrário, hipoteca o futuro para distribuir pequenos favores. Obama se elegeu superando o ódio racial, um problema norte-americano, até então, intratável. Conta, agora, com todo o capital político que um presidente tem no início de mandato. As razões estão ao lado de um imposto sobre carbono.

Então, com o perdão do clichê: Obama, você pode!

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