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Malthus revisitado

Além do senso comum, as idéias do economista também indicaram que os humanos poderiam evitar a superpopulação. O que não se previu, foi o papel central das mulheres.

22 de outubro de 2007 · 17 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Segundo um amigo que é professor de história do pensamento econômico, o reverendo Robert Malthus é o único economista clássico cujas idéias os alunos conhecem antes do curso. A maioria está familiarizada com sua principal análise, aquela que prevê um crescimento da população humana a uma taxa exponencial, enquanto a quantidade de comida cresce a uma taxa linear. Assim, Malthus previu que as sociedades nunca enriqueceriam, pois viveriam sempre à margem da fome.

Malthus errou. Pelo menos de data. Em 1800, existiam cerca de um bilhão de seres humanos. Foram precisos os mil anos anteriores para que, da base de 500 milhões, a população dobrasse. A partir daí, a coisa endoidou. Nos dois séculos que se passaram após a revolução industrial a quantidade de gente cresceu a um ritmo acelerado até os atuais 6,6 bilhões. Em paralelo, a expectativa de vida dobrou. Só no Brasil, da década de 80 para cá, ela aumentou quase dez anos. É muita coisa. Esses sinais só podem indicar um aumento de bem estar.

Não dá para continuar dobrando para sempre. Mais cedo ou mais tarde, esbarraremos nos limites dos recursos naturais. Felizmente, as taxas de crescimento populacional estão despencando no mundo inteiro. Cada vez que os números são reexaminados, as previsões caem. Por aqui, números que acabaram de ser divulgados pelo IBGE mostram que até no campo a taxa de natalidade está caindo. Em algum momento entre 2030 e 2060, a população brasileira começará a diminuir. Na Europa, a população já está encolhendo, e a previsão é de uma população 30% menor até meados do século. Em alguns países da União Européia, já existem mais idosos do que crianças.

Onde foi que Malthus e seguidores modernos, como Paul Erlich (autor do livro “A bomba populacional”, em 1968) tropeçaram? Bem, segundo Ross Emmett, economista especializado em história econômica, o pobre Malthus não merece a fama que tem. Sua demonização é obra dos seus opositores no debate intelectual da época, como Thomas Carlyle e Robert Owen. Embora Malthus tenha, de fato, lançado sua profecia sombria, anteviu a possibilidade de que ela não ocorresse caso os incentivos corretos estivessem em ação.

Segundo Emmett, desde que Adam Smith formalizou a economia como uma ciência separada das discussões morais, dois tipos de pensamento se tornaram distintos e brigam até hoje. De um lado estão aqueles que acham que a natureza humana pode ser moldada. Do outro, os que acham que a natureza humana é dada. Mudá-la está fora do poder dos governantes. O que se pode fazer é compreendê-la e desenhar ou esperar o desenvolvimento de instituições que a levem aos melhores resultados sociais possíveis. Entre os grandes proponentes dessa visão estão Smith, David Hume e John Stuart Mill. No campo dos oponentes, Carlyle cunhou para a economia o apelido “dismal science”, ou ciência sombria. O embate entre os dois grupos já foi chamado da “disputa entre os economistas e os seres humanos”. Claro, Malthus estava no grupo dos economistas.

Qual era a esperança de Malthus para evitar o crescimento populacional desmedido? Contava que a racionalidade humana levasse a prudência na formação das famílias. Se os pais fossem obrigados a se responsabilizar por seus filhos, a maioria faria um esforço para não ter mais descendentes do que pudesse manter. Como além de economista era pastor, pregava que o casamento deveria ser adiado até que o chefe de família estivesse em condições de sustentá-la. Dizia, “a razão interrompe a carreira de um homem, e a ele pergunta se é capaz de trazer outros filhos para o mundo, caso não seja capaz de mantê-los”. Essa foi a profecia malthusiana que deu certo.

O que com certeza não imaginou é que seriam as mulheres, e não os homens, a liderar a contenção. Com a revolução da pílula, que Malthus não viu nem sonhou, se tornaram libertas da reprodução involuntária. No mundo inteiro, partiram para uma participação cada vez maior e mais importante no mercado de trabalho e na política. Filhos passaram a ser gerados por satisfação, e não para sustentar os pais. No Brasil da década de sessenta, cada mulher tinha em média 6 filhos. Hoje, tem cerca de dois. São as mulheres cada vez mais educadas e participantes do mundo moderno que estão nos salvando do risco da superpopulação.

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