Como recriar a vila sem perder as vantagens da vida urbana?
Até 1800, apenas 3% da população mundial vivia em cidades. Esse número subiu para 14% em 1900. E, em maio último, a população urbana ultrapassou a rural. Hoje, a divisão entre rural e urbano está meio a meio. Mas as projeções para 2030 são de que 3 em cada 5 pessoas morarão nas cidades.
Outra tendência é a multiplicação de “megacities”, definidas como áreas urbanas com mais de dez milhões de habitantes. Até 1950, só Nova York estava nessa liga. Em 1985, já eram 9. Em 2004, o número pulou para 19 e, em 2005, deu outro salto para 25. A maior delas é a grande Tóquio, com 34 milhões de pessoas. Depois, vem um grupo de áreas metropolitanas com cerca de 20 milhões, que incluem Cidade do México, Seul, Nova York, Mumbai, Déli e São Paulo (com 20,3 milhões). O Rio de Janeiro (12,6 milhões), já perto do fim do ranking, é a outra megacidade brasileira.
A rápida urbanização do mundo assusta, mas é um processo natural decorrente dos ganhos de escala de viver nas cidades. Por outro lado, essa mudança traz uma óbvia vantagem ambiental: reduz a pegada humana. De qualquer forma, nenhum país conseguiu reverter o processo de urbanização. No máximo, adiá-lo. Logo, resta pensar como melhorar a qualidade de vida, mesmo rodeado de prédios e asfalto.
Escrevo essa coluna, enquanto estou tendo uma experiência muito prazerosa. Vivo numa vila dentro da megacidade. Mudei para um apartamento que fica em frente ao meu local de trabalho, a PUC-Rio. A sensação de acordar e andar até o emprego é maravilhosa, um ganho enorme de qualidade de vida. Ainda por cima, numa região cercada de verde, como a Gávea. Chega a dar culpa, pensando nas pessoas que sacodem no nosso péssimo transporte público ou empacam no trânsito, às vezes por três ou quatro horas diárias.
Como fazer para, sem artificialismos, reinventar a vida em pequena escala dentro das megacidades? Seguem alguns pensamentos.
A primeira medida não é politicamente correta. Trata-se de acabar com qualquer tipo de subsídio ao transporte, seja ele público ou de automóveis. Com a tecnologia moderna, podemos cobrar um pedágio urbano pelo uso da rua e evitar os engarrafamentos. Naturalmente, isso induz ao aumento do uso de transporte público. Mas o preço das passagens também deveria refletir todo o seu custo. É um mau incentivo cobrar pouco por uma viagem longa. É uma indução desnecessária ao crescimento da cidade.
A atividade econômica passa, principalmente nas cidades, por um crescimento rápido dos serviços. Ao mesmo tempo, as tecnologias de informática e comunicação permitem que esses serviços sejam prestados à distância. No livro “O mundo é plano”, o jornalista Thomas Friedman cita muitos exemplos de como os EUA estão terceirizando serviços na Índia. Atendentes de call center, programadores, secretárias e contadores indianos não precisam mais migrar para poder vender suas habilidades aos americanos. Fazem isso a partir do seu próprio país. O mesmo processo é viável dentro das megacidades. Quanto mais internet e computadores, menor será a necessidade de deslocamentos.
Outra medida fácil, seria limitar a altura dos prédios. Será que existe providência mais simples para conter o adensamento? Por que não fazer como as cidades européias onde não se vê arranha-céus? Construções baixas não obstruem a vista nem a ventilação, tornando a cidade mais espaçosa.
Finalmente, me ocorre combinar políticas gerais para a megacidade com implementação decidida nos bairros.
Cidades como Rio e São Paulo poderiam ser subdivididas em blocos com bastante autonomia administrativa. Digamos, toda área com 200 mil habitantes poderia se tornar um distrito desse tipo, com um administrador e receita própria, advinda de uma parcela dos impostos locais. Por outro lado, a megacidade teria um governo central que correspondesse a toda sua mancha urbana. A atual prefeitura seria substituída por uma que abarcasse a área metropolitana. O Rio de Janeiro, por exemplo, passaria a ser administrado como se fosse uma Holanda, país que tem população semelhante.
O objetivo é ter um poder central abrangente, porém mais fraco, já que dividiria responsabilidades com os tais distritos de 200 mil habitantes. Um exemplo de como a coisa poderia funcionar. O governo central estabeleceria uma meta de área verde por habitante. Os distritos, por sua vez, decidiriam onde criá-la e como financiar a medida.
O que vocês acham, dá para viver numa vila dentro da megacidade? Isso é desejável? Quais as suas sugestões sobre o assunto?
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