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Taxando o carbono

Qual o melhor sistema para a contenção dos gases do efeito estufa? O comércio de quotas de poluição criado pelo Tratado de Kyoto ou impostos sobre a emissão de carbono?

27 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Neste mês de fevereiro, o economista Robert Shapiro, ex-conselheiro do governo Clinton, publicou uma convincente crítica ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), principal ferramenta do acordo de Kyoto para reduzir os custos do corte de emissões dos gases do efeito estufa. Como alternativa, propõe a taxação mundial das emissões de carbono.

Existem três formas de controlar a produção dos gases do efeito estufa: comando e controle, cap and trade (limite e negocie) e impostos sobre emissão de carbono.

Comando e controle é a expressão usada para a regulação direta. Significa que uma ou mais agências governamentais estabelecerão limites de emissão e tecnologias que devem ser adotadas nos setores problemáticos. Essa saída costuma ser criticada porque gera burocracia e custos altos para atingir seus objetivos. Além disso, cria dois incentivos perversos para as empresas. O primeiro é motivar o lobby privado com o propósito de influenciar os reguladores a seu favor. O segundo é desinteressá-las em perseguir mais reduções uma vez que as metas forem atingidas.

Por essa razão, o acordo de Kyoto criou o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), baseado no conceito de cap and trade. O acordo estabelece que 36 dos signatários, os países mais ricos e industrializados, devem reduzir suas emissões, ao mesmo tempo isentando os demais. Mas o MDL incentiva esses últimos a promover reduções, pois permite que projetos limpos gerem quotas de poluição que podem ser vendidas aos ricos. Na mesma direção, os 25 países da União Européia também criaram o seu próprio sistema de comércio de quotas de poluição, o ETS (European Emissions Trade System).

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e sua versão européia são similares. O objetivo de ambos é cortar as emissões a um custo baixo. Por exemplo, para os países da União Européia, Kyoto estabeleceu uma meta de redução de 8% em relação ao ano de 1990. A partir desse teto, cada país cria limites de emissão para as suas diversas indústrias. Dentro do sistema de trocas, as firmas dessas indústrias podem optar por poluir menos ou comprarem quotas de outras que estão com folga.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é a versão mais abrangente. Os países obrigados por Kyoto a reduzirem suas emissões produzem e poluem muito, mas sua eficiência energética é alta. Reduzir a poluição para eles é caro. Em compensação, custa menos cortar as emissões nos países em desenvolvimento, pois eles partem de um patamar tecnológico mais baixo e, portanto, mais fácil de mudar. Dessa forma, seja a nível mundial ou europeu, o eficiente atinge sua meta comprando em outro lugar e a preços mais baixos a redução de emissões.

Em teoria, o sistema de quotas e a taxação são alternativas bastante próximas. No sistema de quotas, o regulador estabelece um teto e deixa que os preços das quotas se ajustem. O imposto sobre carbono estabelece o preço da emissão, mas não a quantidade máxima que será gerada. Em princípio, o cap and trade é superior, pois, afinal, o que se quer controlar é a quantidade de emissões e não o seu valor. Mas Shapiro aponta grandes falhas no mesmo.

A primeira é a enorme volatilidade no preço das quotas. Nos primeiros 22 meses de funcionamento do European Trade System, o preço variou em média 17.5% ao mês. Em programas mais antigos, como o de chuva ácida americano, isso também aconteceu. Em treze anos, o preço das quotas de emissão de dióxido de enxofre foi de US$66 a US$860. Por trás disso, estão mudanças relativamente brandas no ritmo de atividade econômica. Preços tão instáveis afetam decisões de investimento e consumo, reduzindo a sua eficiência.

Logo em seguida, vem a forma distorsiva e arbitrária como as quotas são alocadas. Esse processo é sujeito a interesses políticos obscuros e difíceis de controlar. A escolha de 1990 como ano base de Kyoto é um bom exemplo. Ela tornou fácil e ineficaz a adesão da Rússia ao acordo. No início dos anos 90, o débâcle da União Soviética fechou milhares de indústrias ineficientes e muito poluidoras. As emissões russas caíram mais de 30%, fazendo com que ela cumprisse rápido e com folga o tratado e se tornasse dona de quotas avaliadas em US$40 bilhões. Um prêmio duvidoso, pois, desde então, suas emissões voltaram a crescer.

Pela mesma razão, a Alemanha também se beneficiou da reunificação com o lado oriental. A indústria ocidental pode emitir a diferença gerada pela falência das fábricas comunistas. Além disso, o país fez um mau papel na distribuição interna. Isentou a sua indústria de carvão, a maior poluidora local. Enquanto isso, países como Holanda e Suécia, na vanguarda da economia de energia e corte de emissões foram penalizados, pois partiram de uma base alta em 1990. É mais ou menos o que ocorreu com o racionamento de energia brasileiro em 2001. Os gastadores não tiveram problemas para se adequar às quotas, mas os consumidores frugais foram punidos.

O terceiro grande argumento contra o sistema cap and trade é ser caro de administrar e susceptível a corrupção. Governos e empresas desonestos não terão dificuldades em fraudar as quotas. Os governos provavelmente as distribuirão internamente aos seus aliados e as empresas farão de tudo para subestimar suas emissões. A história americana com o programa de chuva ácida mostra que é difícil monitorar e disciplinar as empresas participantes. E a escala do programa é uma fração mínima comparada com a abrangência do tratado de Kyoto.

Segundo Shapiro, o imposto sobre carbono seria melhor nos três aspectos, além de também ser uma forma mais barata de cortar as emissões dos gases do efeito estufa, comparada a mera regulação. Daria um horizonte mais seguro às empresas, pois o preço de geração de carbono se manteria estável – excetuando ajustes pontuais para manter as emissões totais sob controle. Haveria mais transparência na sua aplicação, pois todos os países estabeleceriam a mesma alíquota. Também seria mais justo, evitando o problema do ano-base. Finalmente, a fiscalização decorrente do interesse dos governos em arrecadá-lo criaria uma contrapartida à tentação das fraudes.

O texto todo traz várias outras sutilezas relacionadas a esses pontos largos. Vale à pena lê-lo todo.

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