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A cidade e o verde

As grandes cidades levam a fama de ser pouco ecológicas, mas o que esquecemos é que a sua existência permite conforto material e poupa espaço para o verde em outras regiões.

18 de agosto de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Sou urbano, confesso. Admiro a natureza, quero conservá-la, abraço a causa ecológica e a defendo aqui em O Eco. Mas gosto de cidades, de preferência grandes e diversas, com muita atividade cultural, bares e restaurantes, movimentados pelo colorido de gente de todos os tipos e idéias.

Urbanidade e ecologia são incompatíveis?

O assunto surgiu conversando com uma amiga alemã, Tine Schrammel, em um lugar bem propício para o tema. Estávamos escalando o morro da Babilônia, point do esporte e local da estação de partida do bondinho do Pão de Açúcar. A cerca de cem metros de altura, na nossa frente, a visão ensolarada da Baía de Guanabara, do Morro da Urca e do próprio Pão de Açúcar. Sensacional. Num arroubo de carioquismo, comentei: – Tine, temos que admitir que essa cidade foi abençoada com montanhas, florestas e águas lindas. Ela me olhou pensativa e replicou: – é verdade, é lindo. Mas talvez seja uma pena que se tenha construído uma cidade aqui. Acho o contrário, disse eu. Gosto muito de viver numa metrópole cercada de tanta beleza natural.

Tine vem de Dresden e costuma escalar nas falésias de Elbsandstein (literalmente “arenitos do rio Elba”), na fronteira da Alemanha com a República Checa. Eu respeito a Tine. Como diz o nome, a rocha do lugar é quebradiça. Os escaladores são proibidos de usar equipamentos metálicos de proteção. Dizem que lá, eles se dividem em duas categorias, os muito bons e os mortos.

Para chegar às vias de escalada, Tine dirige uma hora e caminha outra. Aqui no Rio de Janeiro, estacionamos na Urca e, dependendo da via, caminhamos apenas dois ou três minutos para chegar à base da pedra. O chato é disputar o estacionamento com os turistas. O Rio, afinal, teve muita sorte. A geografia salvou a cidade. Ou melhor, a cidade não se salvou, seu mar, rochas e florestas escarpadas é que resistem bravamente.

Mas, voltando ao tema geral, as mesmas características das grandes cidades que geram um economia vigorosa também têm suas vantagens ecológicas. Talvez a palavra que melhor defina o espaço urbano seja densidade. Do lado da produção, existe uma tendência natural para os aglomerados. É mais fácil e barato assim. O contato pessoal e o baixo custo de transporte multiplicam o comércio e as profissões. As pessoas se tornam mais especializadas e produtivas.

A maior parte da atividade econômica dos países ocorre em áreas muito concentradas. O eixo Rio-São Paulo é um exemplo. Na Argentina, boa parte da população vive na grande Buenos Aires. Nos EUA, o PIB cairia drasticamente se subtraíssemos as áreas metropolitanas de Los Angeles, Chicago e Nova York.

A contrapartida ecológica da densidade é a economia energética. Aos nossos olhos, o frenesi urbano faz parecer o contrário, mas as cidades existem porque são poupadoras de energia em todos os sentidos. Nelas, o transporte público é viável, a iluminação mais eficiente, como também as redes elétrica, de água e esgoto. A escala é muito grande, mas, se pensarmos em termos per capita, perceberemos o ganho. Outra vantagem é liberar terra para a conservação. As cidades são boas para o verde. Pelo menos, o que é externo a delas.

A perda de densidade urbana combinada com o progresso material rápido pode ter resultados péssimos. Os subúrbios americanos, tão bem expostos no filme Beleza Americana, são um exemplo. Existe modelo mais desperdiçado e monótono de se viver? Os americanos estão cada vez mais preocupados com o problema, que chamam de urban sprawl (esparramação urbana). O que caracteriza esses lugares é a total dependência do automóvel.

Já tive a experiência de viver em Fairfax, um subúrbio rico de Washington D.C. Morava a um quilômetro do campus onde estudava. Como minha vida era totalmente absorvida pela universidade, tentei resolver minha locomoção com uma bicicleta. Foi impossível. Três meses depois, comprei um carro. Na realidade, esse carro era o meu sapato. As distâncias eram tão grandes, que não dava nem para comprar pão ou jornal sem quatro rodas.

Na minha experiência, os subúrbios americanos juntam o que há de pior na cidade e no campo. Alguém já os definiu como imensas fábricas de grama. Todo mundo mora em casas com fartos gramados, em geral, pouco usados. No verão, a trilha sonora é produzida pelos incontáveis cortadores de grama à gasolina funcionando ao mesmo tempo. Uma sinfonia absolutamente sem graça.

O estado do Oregon aprovou uma lei que limita o crescimento urbano. Portland, sua capital, é famosa por perseguir políticas urbanas chamadas de smart growth. No fundo, o conceito tenta fazer a área central das cidades americanas voltarem a ser normais. Ou seja, locais atraentes para moradia, onde também se encontra comércio e trabalho acessível a pé ou de transporte público. Espera-se que, assim, parem de ser esvaziadas por subúrbios que destroem a natureza original e a substituem por gramados burocráticos e casas idênticas.

Por isso, não se sinta culpado se você gosta da natureza e vive numa grande cidade. Talvez uma das melhores coisas que você possa fazer para proteger o verde seja isso mesmo.

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