Análises

Crescimento da população humana ameaça a girafa… e todas as outras espécies

Lista Vermelha de espécies ameaçadas continua aumentando e IUCN finalmente começa a admitir que isso é consequência do excesso de gente

Silvana Campello ·
12 de dezembro de 2016 · 7 anos atrás
girafa
Girafa, queda de 40% da população em três decadas. Foto: Wikimedia Commons

Saiu mais um dado oficial da União Mundial de Conservação (UICN), informando as alterações de espécies na Lista Vermelha de Animais Ameaçados de Extinção 2016. Os dados são, como sempre, estarrecedores:  mais 700 espécies de aves (das quais 13 estão consideradas extintas) foram adicionadas à lista, enquanto outras anteriormente incluídas, como o papagaio cinza (Psittacus erithacus), passaram de categoria VU – Vulnerável, para a categoria EN – Em Perigo de Extinção.  O mesmo acontece com o tubarão-baleia (Rhincodon typus).  Das 6 espécies de gorilas, 4 estão na categoria CR – Criticamente Ameaçada, que esse ano passou a incluir o Gorila do Leste (Gorilla beringei). A lista marca a extinção de Petaurus australis, uma espécie de roedor endêmico da Austrália, a primeira extinção de um mamífero atribuída a mudanças climáticas.  Dentre outros aspectos a serem ressaltados, chama a atenção alteração de status de algumas espécies como o ornitorrinco  (Ornithorhynchus anatinus), a zebra (Equus quagga) e o cervo de  Borneu (Muntiacus atherodes) , os quais eram classificadas como LC – Pouco Preocupante, e que agora passaram à categoria NT – Quase Ameaçadas.

No infame  jogo da extinção, algumas espécies pularam várias casas:  o carismático Koala (Phascolarctos cinereus), o marsupial australiano Petauroides volans, e a girafa (Giraffa camelopardalis), foram da pouco preocupante categoria LC diretamente para a incômoda VU.  Desses, a icônica girafa vem ganhando grande destaque na mídia, uma vez que sua população declinou surpreendentes 40% nos últimos 30 anos.   Das 9 subespécies de girafa, apenas 3 da parte sul da África estão estáveis. As demais 5, espalhadas pelo continente, encontram-se a caminho da extinção.  Durante o Congresso Mundial de Conservação, realizado pela IUCN no Havaí esse ano, representantes de governos e ONGs passaram uma resolução pedindo a criação de áreas protegidas para conservação da girafa e do okapi, um animal raro, um “mix” de zebra, girafa e búfalo, que se encontra na categoria CR – Criticamente Ameaçado.

“A caça ilegal, perda de habitat, avanço da agricultura e problemas sociais estão levando a girafa à extinção”. Troque a palavra “girafa” por qualquer outro animal de sua escolha e a frase seguirá sendo verdadeira.”

A lista vermelha do Brasil, onde constam 1.173 espécies, foi apresentada pelo ICMBio na 13a Cúpula das Nações Unidas pela Biodiversidade (COP 13), e foi matéria de ((O))Eco da semana passada.

Conservacionistas de todo o mundo estão acostumados a ver a Lista Vermelha de Animais Ameaçados aumentando a cada nova edição, salvo alguns raros casos de sucesso, como o do carismático Panda (Ailuropoda melanoleuca), que esse ano passou de EN para VU graças a um esforço (ainda não comprovado) do governo chinês.

Mas o que realmente causa surpresa é que – pelo menos no caso das girafas – a IUCN leva a mão à palmatória e admite abertamente que a causa da queda brutal da espécie é o crescimento descontrolado da população humana.  Esse assunto vinha sendo uma espécie de tabu entre os tomadores de decisão, um elefante no meio da sala que todos fingiam ignorar.  Segundo o relatório desse ano a IUCN afirma que “a crescente população humana está causando um impacto negativo nas populações de girafa.  A caça ilegal, perda de habitat, avanço da agricultura e problemas sociais estão levando a girafa à extinção”.  Troque a palavra “girafa” por qualquer outro animal de sua escolha e a frase seguirá sendo verdadeira.

Desde 1992, com o surgimento do movimento socioambiental, quase nenhum congresso e evento da IUCN ou de outras organizações ousaram sequer falar sobre o assunto da superpopulação humana e a necessidade de seu controle.  Ao contrário, grande ênfase é dada aos direitos e necessidades de nossa espécie sobre as demais 8,699 milhões de espécies estimadas no planeta. Áreas de proteção integral de onde não se extrai recursos caíram em desuso face a criação de áreas extrativistas, em busca de uma utópica sustentabilidade ambiental, econômica e social que pudesse preservar a biodiversidade, mas com os serem humanos dominando tudo.  Não apenas ineficiente, essa mentalidade é um tanto quando demagógica, e por que não dizer, ingênua, pois o impacto negativo que agora chega às girafas, eventualmente chegará a nós.

Admitir que somos nós os grandes vilões da Terra, agindo como células cancerígenas que adoecem o planeta, em nome de nosso egocêntrico bem-estar, não é algo fácil de se admitir em um universo que valoriza apenas nossos direitos. Mas reconhecer um problema é o primeiro passo na direção de solucioná-lo. E a IUCN finalmente fez essa admissão.

 

 

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Comentários 8

  1. Luiz Catapano diz:

    Voce tem certeza da extinção do yellow bellied glider (Petaurus australis )? Você não se enganou?


    1. Silvana diz:

      Corrigido, obrigada. Mas a população do Petaurus australis diminuiu 40% devido a perda de habitat, passou de LC para VU. O mamifero declarado extinto é realmente o Melomys (Melomys rubicola). Valeu a dica.


  2. Fabio diz:

    Finalmente a IUCN começou a enxergar o óbvio: gente e biodiversidade não combinam. Falta os iluminados do MMA verem a mesma coisa


  3. AAI diz:

    É verdade!!! Finalmente alguém que toca no assunto da superpopulação humana!!!! E da onda "sócio" que se apoderou dos órgãos ambientais, criticando as UCs de proteção integral!!
    É isso aí!!! Vamos mostrar a verdade!!!


  4. umbrios27 diz:

    Pequeno errinho de digitação: acho que o "opaki" é o Ocapi, não é?

    E realmente, nós somos o problema, assim, como podemos ser a solução, se quisermos. Existem ONGs internacionais, como a Population Matters, que tentam combater nesse front, distribuindo anticoncepcionais e informação para jovens tanto em países africanos quanto na Inglaterra e Estados Unidos. Afinal, se todos os nascimentos de gravidezes não-planejadas fossem evitados, a população mundial diminuiria. Para diminuir as taxas de nascimento não é necessário fazer como a China, muitos países, incluindo nosso Brasil, fizeram isso com um coquetel muito mais benigno, misturando diminuição da mortalidade infantil (parece contraditório, mas não é. Se as pessoas tiverem certeza que seus filhos vão sobreviver à infância, elas têm menos filhos), distribuição de camisinhas e anticoncepcionais pelo governo, poder comprar pílula sem receita, e até novelas mostrando quase sempre famílias com poucos filhos (e colocando no imaginário popular que dois tá bom. Um tá melhor ainda. E se quiser zero, tá ótimo.).

    Se alguém conhecer uma ONG brasileira que lide com essa temática, eu adoraria a dica também.


    1. Silvana diz:

      É okapi, sim! Escrevi errado… Alô Eduardo! Dá pra corrigir?


  5. Sousa santos diz:

    Ufaaaa…..
    Até que enfim OECO Começa a discutir os verdadeiros problemas que provocam essa tragédia toda.
    Parabéns Silvana.