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Ainda há muito a fazer

A Lei de Gestão de Florestas Públicas ajuda, mas não resolve o problema da Conservação na Amazônia. A solução, em larga medida, depende do Congresso Nacional.

11 de fevereiro de 2006 · 18 anos atrás
  • Paulo Barreto

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

No último 1° de fevereiro, o Senado aprovou o projeto que cria regras para gestão de florestas públicas. Entretanto, 14 senadores com reputação de seriedade (como Heloísa Helena do PSOL e Pedro Simon do PMDB) votaram contra o projeto. Eles e outros Senadores questionaram o mérito e urgência do projeto e a capacidade do Estado brasileiro de implementá-lo. Como o projeto recebeu emendas, voltou à Câmara, onde foi aprovado  e agora espera o aval final do presidente da República. Ainda assim, será necessário apoio para implementá-lo e é necessário compreendê-lo melhor. Neste artigo, explico por que o projeto é relevante e urgente e falo de algumas condições necessárias para o seu sucesso e êxito de sua implementação – especialmente enfocando em tarefas para o Congresso Nacional.

Primeiramente, é necessário esclarecer o que são florestas públicas. São florestas do Estado brasileiro, que incluem áreas cuja destinação de uso já é definida, como as Florestas Nacionais, e áreas cujo uso é indefinido, chamadas de terras devolutas. Provavelmente, mais de 40% das terras da Amazônia são devolutas e o governo deve definir o seu destino, que pode incluir, a grosso modo, três opções: i- vendê-las ou doá-las para uso agropecuário e florestal; ii- mantê-las públicas e destiná-las à exploração sustentável de recursos florestais (ex: madeira) através do “aluguel” do direito de uso; e iii- mantê-las públicas e destiná-las à preservação, o que inclui usos restritos como turismo e pesquisa científica.

O governo federal e estaduais têm usado as três opções nos últimos anos. No caso da doação de terras, a lei prevê que o direito de uso da área será concedido se a ocupação for “mansa e pacífica” e se as leis ambientais forem respeitadas. Porém, o Estado brasileiro vem perdendo o controle das terras devolutas e há uma corrida cada vez mais violenta e predatória para a ocupação dessas áreas. Investimentos em estradas e o aumento da demanda por carne e grãos têm estimulado a expansão da agropecuária na região. Em conseqüência disso, a taxa média de desmatamento anual entre 2000 e 2005 aumentou 18% em relação ao período entre 1994 e 1999. Essa situação tende a se agravar, pois especialistas projetam que a demanda por mercadorias agrícolas vai continuar aumentando.

Essa ocupação desordenada é prejudicial, pois muitas vezes resulta na ocupação de áreas impróprias para a agropecuária. Segundo dados do IBGE, em 1995, 6,8 milhões de hectares eram terras desmatadas abandonadas – o que é um claro sinal de desperdício. Além disso, áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade são desmatadas – o que aumenta o risco de extinção de espécies únicas da região. Uma vez que as terras são ocupadas, é difícil retirar a população do local, o que envolve inclusive a indenização pelas benfeitorias (que ironicamente incluem o desmatamento). A maioria desses ocupantes não se interessa por usos sustentáveis da floresta, pois, em geral, o manejo florestal é menos rentável do que a agropecuária.

Portanto, para evitar a extinção de espécies e para proteger ambientes frágeis é essencial destinar áreas para a preservação. Entretanto, nas condições atuais, seria inviável preservar todas as florestas públicas devolutas, pois isso levaria ao colapso da economia de vários municípios da região. É importante lembrar que, em 2004, as cerca de 3.100 madeireiras da região geraram 380 mil empregos diretos e indiretos e uma receita bruta de US$ 2,3 bilhões. Portanto, é essencial apoiar usos que equilibram os objetivos de conservação ambiental e de sustentação da economia regional.

O manejo de florestas para produção de madeira e outros bens (inclusive óleos e resinas) é, atualmente, a atividade com o melhor potencial de atingir esses objetivos nas terras públicas. Porém, não existem regras sobre como usá-las e o pior dos cenários impera: a exploração predatória, o desmatamento e a escassez de investimentos em manejo florestal sustentável.

O projeto de gestão de florestas públicas aprovado esta semana cria as regras para estimular o uso sustentável de parte das florestas públicas. As áreas propícias para a exploração florestal serão concedidas para uso em leilões públicos, considerando o melhor preço e melhor projeto técnico. Os concessionários pagarão royalties pela exploração da área. O valor acima do preço mínimo de cada concessão será distribuído entre Estado (30%), Município (30%) e um Fundo de Desenvolvimento Florestal (40%) para apoiar medidas de manejo florestal.

O projeto inclui várias salvaguardas. Áreas prioritárias para preservação serão excluídas das concessões. Antes de conceder as áreas para uso, o governo deverá regularizar a situação fundiária. Bem aplicada, essa regra garantirá que populações tradicionais que vivem há décadas em terras públicas sem documentação – como seringueiros e ribeirinhos – assegurem, sem ônus, o direito de uso legal dessas áreas. Por essa razão, muitos movimentos populares da Amazônia apoiaram o projeto. O projeto também possibilita a participação de pequenos produtores, pois parte dos lotes para licitação será destinada exclusivamente a eles.

O Serviço Florestal Brasileiro (SFB), cuja criação é prevista no projeto, será responsável, entre outras coisas, pela seleção das áreas a serem licitadas e pelos contratos. A diretoria do SFB será indicada pelo Presidente da República e submetida à aprovação do Senado. O SFB contará com uma Ouvidoria independente que deverá preparar um relatório anual público sobre a condição das concessões outorgadas. Portanto, será mais um instrumento de controle pelo Congresso.

O Ibama será independente do SFB e continuará responsável pela concessão da licença ambiental e pela fiscalizarção do cumprimento ambiental das regras de manejo nas florestas públicas. Além disso, a cada cinco anos, auditores independentes avaliarão o desempenho dos concessionários. Em caso de descumprimento das regras, os contratos serão cancelados e os danos ao ambiente deverão ser compensados.

Como medida de precaução, em dez anos de vigência da Lei, a área total com concessões florestais da União não poderá ultrapassar 20% do total de área de suas florestas públicas disponíveis para a concessão. Portanto, será possível aprender com a implementação gradual da lei e revê-la após dez anos.

Ao ouvir esses argumentos, alguns dos Senadores disseram que o projeto era bom, mas que o governo não seria capaz de implementá-lo. Portanto, votariam contra o projeto e em favor da Amazônia. O argumento da fragilidade do controle governamental é razoável, mas a conclusão de que ser contra o projeto protege a Amazônia é inconsistente. As pressões para desmatar a região vão continuar com ou sem o projeto.

A fragilidade do sistema de controle ambiental será um grande desafio para o sucesso do projeto de gestão de florestas públicas. Porém, sem esse projeto e sem projetos alternativos que combinem geração de renda e conservação, o controle será ainda mais difícil. Ou seja, faltará apoio social e político para impor controle sem nada em troca. Como o controle ambiental será importante em qualquer cenário, é necessário refletir mais sobre sua situação.

O Estado brasileiro vem fazendo um grande esforço para melhorar o controle ambiental. Para isso, o Congresso Nacional aprovou, em 1998, a Lei de Crimes Ambientais que prevê pesadas multas e até a prisão de infratores. Entre 2001 e 2004, o Ibama aumentou em 180% o valor total de multas emitidas. Porém, esse aumento de esforço não tem resultado em melhores indicadores ambientais como indicado pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Isso ocorre principalmente porque a cobrança é lenta e ineficaz. Por exemplo, apenas 2% dos infratores foram criminalmente punidos em uma amostra de 55 casos judiciais contra infração ambiental no setor florestal no Pará entre 2000 e 2003. Uma análise dos mesmos casos na esfera administrativa mostrou que apenas 3% das multas foram arrecadadas pelo Ibama.

Essa ineficácia resulta de vários problemas. A solução de um deles depende da atuação do poder legislativo. O Ibama tenta, com base em uma Portaria interna, negar Autorizações de Transporte de Produtos Florestais para forçar os infratores a pagarem as multas. Contudo, decisões judiciais proíbem essa prática, pois esse tipo de restrição deve ser prevista em lei e não em portarias. Portanto, os senadores que desconfiam da capacidade de execução da gestão florestal devem liderar a aprovação de uma lei que fortaleça a ação do Ibama.

O projeto de gestão de florestas públicas não é suficiente para garantir a conservação de toda a área necessária da Amazônia. Portanto, outras alternativas são necessárias. Uma alternativa seria pagar a população local pela proteção florestal, considerando que evitar o desmatamento contribui para o equilíbrio climático global. Isso porque o desmatamento seguido de queimadas libera gases que contribuem para aquecer o planeta. Os países ricos – que contribuíram mais para o desequilibro climático – deveriam pagar parte da conta da proteção florestal. Para isso, é preciso incluir o conceito de desmatamento evitado em um acordo internacional – o Protocolo de Quioto – que trata de como evitar as mudanças climáticas globais. As negociações para tratar deste assunto estão em andamento e devem ser concluídas até 2008. Essa também é uma atividade na qual o Congresso Nacional pode ter um papel de liderança.

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